quarta-feira, 1 de setembro de 2021

OS OUTROS SÃO OS OUTROS - Heraldo Lins

 



OS OUTROS SÃO OS OUTROS  


Os encontros se dão quase todos os finais de semana envolvendo os que têm medo de que a sociedade do dinheiro acabe. As tribos que vivem dormindo ao relento são modelos evitáveis, dizem alguns. Outros diriam que são produtos dos que guardam a ganância em bancos. O discurso dos mais afortunados é que eles não têm nada a ver. 

A humanidade interesseira está construindo, há muito, uma civilização de reprodutores da individualidade, escarrando os que não têm a capacidade ou a oportunidade de juntar. Alguns humanos, unidos pelo mesmo sistema de valores, expulsam os que não enxergam essa forma de pré-requisito para terem um lugar à sombra.

As conversas nos finais de semana variam de acordo com os muros que cercam os debatedores. Muitos se unem para planejarem contra, e, de mãos dadas, contam seus feitos em cifrões. Quem faz isso são os que olham pela janela dos seus Mercedes relembrando o quanto lutaram para chegarem onde chegaram, e que, nas suas concepções, isso já os torna merecedores.

Abraçar homens e mulheres maus cheirosos não resolve nada. A solução, para os amantes de ficção, seria levá-los para uma reserva tecnológica, ensinar-lhes a linguagem da caça moderna e depositá-los de volta ao convívio social. Nos débeis, seriam inseridos chips que controlassem o saber. Daí que entra o justo medo do pensamento fora da caixa. Os programados ainda teriam seus instintos animalescos preservados, e trazê-los para dentro dos muros corria-se o risco de o robô humano tomar o poder pela força.
 
Mas o que caracteriza esse medo é a preocupação em dar sequência ao alinhamento dos conhecimentos. Há uma contradição a nível humanitário, mas a nível familiar a história deve seguir seu rumo desde que não prejudique os de casa. Para os que estão chegando nesse mundo sua falta de amadurecimento para com a própria existência aos poucos vai moldando-o na praça em que nasceu. É lá que poderá cheirar as flores, andar em círculos até morrer tentando sair. A relação entre o grupo que está fora da praça com os passeantes zumbis se dá por estes trazerem alguns acessórios orgânicos compatíveis com os de fora, e isso já é um motivo grande de serem preservados para o final, além de, em último caso, servirem como alimento para os que estão dentro dos muros, caso necessitem.
 
A relação estreita é revelada também nos sentimentos próprios de quem é humano. São as linhas de interligações que unem, de certa forma, os demais dos outros. Suas faces religiosas se juntam nestas desigualdades claras, enquanto o rito está acontecendo. Essas criações dos ancestrais vêm construindo a cultura da submissão como forma de usá-la para separarem eles dos demais, mantendo a aparência que são iguais. 

A cultura da guerra, também, inserida desde que se é natureza viva, trouxe e continua trazendo dependentes e protegidos para atacar os já destruídos por si sós. Qualquer relação com as várias castas sociais implica em os das mais elevadas gerarem dependências nas de baixo, e, com esse intuito, retardarem os conflitos.
 
Muitos acreditam que esse câncer é natural, e isso se dá por terem se acostumados com a doença. Esse tipo de entendimento é gerado pela cultura sutil imposta aos inocentes de fraudas com tal violência que ao deixarem a chupeta passam a crerem que a sua nutrição depende de permanecerem comendo uns aos outros.
 
Esse câncer fica depositado ao lado do muro de cerca elétrica, infringindo, através de sacos de lixo, as regras do terreno baldio. Não por maldade, mas porque seu chip de entendimento o construiu para, somente, ingerir e expelir.
 
Vale dizer que do mesmo jeito que se está trancado esperando o momento de terror para assassinar, e quem sabe, comer os que estão fora do muro, os outros de fora pensam o mesmo: lá dentro existe carne fresca para ser saboreada, deixemos procriarem na mais singela paz até o dia que manter os portões fechados não será mais possível. 

Claro que não devemos levar tudo isso literalmente. São possibilidades que muitas vezes deixamos passar despercebidos e continuamos como se nada estivesse acontecendo. Todos os dias os pensamentos são reforçados, tanto de um lado como do outro, mas se não estivéssemos agindo assim, com guerras constantes no nosso dia a dia, não teríamos sobrevivido à seleção natural.
 
A ciência avança para alguns e a outros são negados esses avanços. Ninguém está pensando em desenvolver pesquisas para salvar os desvalidos. A cadeia tópica motiva essas pessoas da ciência com pacotes de dinheiro. O que se revela aqui é a mais pura radiografia da sociedade, não digo só atual, mas calcada nas atitudes que alguém os enquadrou nos sete pecados capitais.
 
A capacidade de se anular para o outro crescer é podada, desde cedo, pelas surras dos sete pecados. O suspeito em praticar o amor em toda a sua plenitude é mal compreendido e fortemente ridicularizado de ambos os lados. Taxado de ingênuo, adequa-se ao pensamento egoísta e passa a professar como se nunca houvesse pensado em ser diferente. 

Salta aos olhos esse procedimento que se tornou comum, tendo em vista que não adianta uma ação isolada se o restante continua longe de alcançar essa cultura do “vamos juntos senão não iremos”. É difícil sobreviver nessa chuvarada de opiniões contraditórias “do dizer e do fazer”. Mesmo sendo taxado de omisso, é mais confortável analisar e se calar diante do que a maioria não vê. 

Heraldo Lins Marinho Dantas
Natal/RN, 1º/09/2021 – 08:31    




Nenhum comentário:

Postar um comentário

Comentários com termos vulgares e palavrões, ofensas, serão excluídos. Não se preocupem com erros de português. Patativa do Assaré disse: "É melhor escrever errado a coisa certa, do que escrever certo a coisa errada”