segunda-feira, 30 de agosto de 2021

COISAS DO CORAÇÃO - Heraldo Lins

 





COISAS DO CORAÇÃO


Já tive muitas amantes, mas me cansei de perdê-las. Há anos pago pensões alimentícias e isso me fez ficar comportado. Recentemente uma mulher chamou-me a atenção. Deparei-me com ela quando passava pela avenida paulista. Convidei-a e fomos a um restaurante. 


Depois de trocarmos ideias, voltei para casa e me pus a contemplar seu perfil do WhatsApp. Senti então uma certa simpatia por ela. Minhas frustrações antigas cederam lugar a uma estranha euforia, e eu fiquei curioso em saber qual a origem daquela animação toda. Talvez derive do fato de ela ser jovem, linda, inteligente e eu, apenas um quarentão com muita lenha para queimar, pensei. Devo ou não dar prosseguimento à conquista? Por enquanto conversei, educadamente, com uma que cursa relações internacionais, nada além disso. 


À noitinha recebi uma mensagem convidando-me para mais um bate-papo na segunda-feira seguinte no mesmo horário e local. No domingo nem dormi direito. Isso me perturbava. Apesar de ser simpática e atenciosa, ela impunha um certo distanciamento. Por volta das treze horas da segunda-feira nos encontramos como havíamos combinado. Ela estava com uma jaqueta desbotada e os cabelos presos por uma caneta usada na caricatura que fez de mim. São lindas suas covinhas na face e no queixo quando ri. Seus olhos negros penetram-me na alma querendo ler meu passado. Desvio o olhar. Se tivesse liberdade não duvido que iria abraçá-la.  


Nos despedimos com um aperto de mão, porém, seu perfume ficou em mim durante todo o trabalho na redação. Consegui flutuar nas matérias que tinha para revisar, reparando o quão é importante minha profissão. Ela valorizou, riu e disse que já conhecia minha coluna, inclusive, sempre fica ansiosa para ler a próxima crônica. Quer saber tudo da minha vida, deixando-me um pouco sem jeito, e, sem querer, vou falando segredos que só a ela conto. 


Ao chegar em casa clico em várias mensagens de elogio. Escreveu que se sentiu feliz durante o almoço e que queria me ver novamente no dia seguinte. O encontro seria à noite, pois à tarde estaria entrevistando o cônsul da Eslovênia. Remarquei meus compromissos e pela manhã fui à academia dar vazão a tanta inquietude. Cheguei mais cedo ao jornal para estar livre à noite. 


Finalmente nos encontramos no restaurante por volta das vinte e uma horas. Ela trazia sua euforia, seu sorriso natural e muita empolgação para prender minha atenção. Fiquei admirado como uma garota de pouca idade tinha tanta determinação. Ela contava em detalhes a arquitetura do consulado, os trejeitos do entrevistado, contou, também, sobre o chá que lhe serviram. Fiquei escutando aquela menina carismática que me envolvia em sua realidade juvenil. Sentia uma alegria incontrolável em estar ali com ela, usufruindo um amor além da fronteira do carnal. Que sensação misteriosa! Nunca havia sentido isso por alguém. 

_ E você? Ela me perguntou. Como foi seu dia? 

Havia me esquecido. Naquele momento eu não existia. O importante para mim era conhecê-la melhor, saber da sua origem, e foi isso que lhe perguntei. Ela disse que era órfã de mãe, recentemente falecida. Ensinou-lhe que o importante era o conhecimento, por isso cobrava tanta dedicação para com os estudos.

 _ Conheceu seu pai? 

_ Sim, respondeu-me. Quase todos os dias minha mãe me levava para ficarmos escondidas vendo-o passar para o trabalho.

 _Quem é ele? 

_ É você, você é o meu pai...      


Heraldo Lins Marinho Dantas 

Natal/RN, 27/07/2021 – 13:17





Nenhum comentário:

Postar um comentário

Comentários com termos vulgares e palavrões, ofensas, serão excluídos. Não se preocupem com erros de português. Patativa do Assaré disse: "É melhor escrever errado a coisa certa, do que escrever certo a coisa errada”