sábado, 26 de junho de 2021

SOFRIMENTO MATERNO - Heraldo Lins

 


SOFRIMENTO MATERNO  



Deve ser traumático uma criança de quatro anos morrer afogada na piscina. Ninguém por perto para salvá-la, e foi ali que ela tomou consciência que estava sozinha no mundo. 


Aquela piscina era o sonho do casal. Sonhavam com uma casa que pudesse dar-lhes conforto. Assim que o dinheiro deu, construíram. Não se importaram em gradeá-la para não tirar a estética da mansão. O importante era que os três filhos tivessem acesso ao que não tiveram na infância. A água, impassível, não perdoou. Continuou a ser água mesmo sem a consciência do que isso importava. Silenciosa e em parceria com a morte esperou o momento de ser a mesma em uma só. 


O pai correu para retirá-lo desmaiado, mas não teve UTI que desse jeito. Morte cerebral por falta de oxigênio. 


A mãe não largava o menino. Atenção vinte e quatro horas por dia, mas bastou dois minutos de desatenção para apagar a luz dentro do coração materno. O travo na boca permaneceu durante sua vida inteira. Ouvia seu filho chamando por mamãe nos últimos momentos. Acordava chorando querendo se matar. Não podia voltar o tempo nem o apressar para morrer logo. Onde foi que errou? Perguntava-se a todo instante, que estivesse acordada ou dormindo. A dor perseguia sua mente enfraquecendo-a. O casal não se permitia afagos. 


A cada criança avistada com a idade do falecido, lágrimas vinham. Queriam embalsamar o garoto, mas os psicólogos aconselharam-lhes que iria atormentá-los ainda mais. Colocaram um boneco no berço com a aparência do garoto. Cuidavam como se estivesse vivo. Davam-lhe banho, trocavam a roupinha e colocava-o para dormir. 


Era feito de um material parecido com pele humana. Trouxeram de longe, muito longe. Depois foram aperfeiçoando a ponto de ele falar com a voz parecida com a do morto. Os anos se foram e o garoto de gelatina, na cabeça da mãe, foi tomando vida. Certa noite a mãe acordou com ele ao lado da cama. Ela sorriu sem se assustar. Era isso que desejava todos esses anos. Pegou no colo e o embalou. O pai, em viagem ao exterior, nem se dava conta do que estava acontecendo. O garoto a chamou para irem tomar banho da piscina. A mãe feliz em poder regredir no tempo e salvá-lo, concordou. Entraram na piscina... banharam-se, riram espalhando água um no outro. A mãe estava realizada. Sua felicidade havia voltado. Seu garotinho estava de volta. Chorou de alegria. Toda sua angústia havia sido removida... No outro dia encontraram o boneco na borda da piscina e a mãe boiando sem vida.  



Heraldo Lins Marinho Dantas 

Natal/RN, 24/06/2021 – 10:09

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