segunda-feira, 19 de abril de 2021

PULANDO A FRONTEIRA - Heraldo lins



 PULANDO A FRONTEIRA


Desesperadamente olho para a foto de um escorpião que colocaram no grupo de WhatsApp.  Amarelo com cara de ferrugem, o bicho foi encontrado no quarto andar do prédio. Um aracnídeo comum nas favelas, só pode ter sido plantado. Um escândalo para as moradoras. As unidades vão se desvalorizar pelo menos uns cem mil. Para completar o desespero dos que moram por aqui uma outra moradora posta que no seu apartamento aparece algumas baratinhas, mas escorpião... jamais. O bate-boca tem início...


Eu sei que nesse momento era importante o depoimento do escorpião para tirar isso a limpo, mas o problema é que ele não consegue se fazer entender. Acredito que nessa altura do campeonato já esteja morto vítima da intolerância das espécies. Ele era quem poderiam provar como veio parar por aqui. Se foi em busca das baratas, dá conta que não lhe deram uma sobrevivência digna. 


Nesse momento levanto-me da cama de um salto. Fico imaginando que debaixo da minha há um querendo me ferroar. Afasto-me com receio que ele veio procurar minhas baratas. Não posso permitir que invadam meu território e acabe com meu estoque de proteínas. Ouvi falar que só as baratas irão sobreviver a uma guerra nuclear, assim, mantenho-as em uma caixa como prevenção alimentar para meu apetite exótico. 


Uma peça de roupa caída do varal é motivo para a vassoura resgatá-la. Vai que o bicho se escondeu lá! Meu dia está ameaçado. Nessa hora de desespero a primeira lição de sobrevivência é manter-me escrevendo. Nessa troca de ideias possa ser que a situação piore e deixando registrado haverá testemunhas da luta do homem civilizado com um outro transformado em escorpião. Penso que no início éramos somente nós. Fomos morrendo e nos reencarnando em bichos. Esse escorpião deve ter sido uma pessoa que gostava de furar as outras. Voltou com três facas: duas nas mãos e uma no rabo. A aranha era uma mulher com vários olhares sedutores. Só não a cobra, essa já veio junto com Adão. 


Mas não interessa outras reencarnações. Estamos falando desse fuleiro escorpião. Ele veio estragar o meu dia. Acho que passou pela portaria sem mostrar sua identificação. O zelador nem o viu, e por isso estou lutando com ele por aqui. Só em saber que é possível um deles vir ao meu apartamento, já fico apreensivo. Ouvi um barulho na cozinha. Deve ser ele em busca de alimento. Se ele crescer muito pode tomar conta do meu quarto ou dos meus escritos...


Aqui quem fala é o escorpião. A partir de agora assumo o comando dessa página. Encontrei um ser humano escrevendo e vou, literalmente, comê-lo ao molho de jabuticaba. Com licença que chegou a hora do almoço... nhoc nhoc nhoc.  




Heraldo Lins Marinho Dantas (arte-educador)

Natal/RN, 09/03/2021 – 09:35

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