ROTA DE FUGA
Somos o centro do universo. Por quase ninguém acreditar nisso é que o eixo da terra empenou. Esse empeno é responsável pelas nossas dores de cabeça. Estamos sempre andando com a cabeça torta, e isso cansa. Quando o eixo emperra a dor aumenta provocando enxaqueca, tontura e derrame. Com o peso aumentando do lado que tem água, a tendência é empenar ainda mais. Não tem como dar certo viver na terra desse jeito. O reflexo atinge todas as áreas. Erupções, secas, nevascas... até no humor das sogras ele tem influência. Vou sair daqui! Todos os anos tenho que fazer reforma, cantar parabéns, desejar feliz ano novo... quando acho que vamos prosseguir evoluindo, tenho que cumprimentar as mesmas pessoas com um bom dia.
Escuro claro, quente frio... passamos o tempo todo nos adaptando a essas mudanças. Não sobra tempo para mais nada. Nem dormir sossegado eu posso. Vem um pesadelo, a insônia, vontade chata de ir ao banheiro. Pare o mundo que quero descer, disse o maluco beleza. Estou também procurando o botão de desligar. Consultei minha vizinha e ela me mostrou. Por alguns momentos tentei, mas nessas tentativas aconteceram outros tipos de repetições...
Quero ir para o planeta aleatório, onde nada acontece. Ele existe, inclusive já o visitei. À época que fui como turista não havia muito o que se ver por lá. Era um branco total. As pessoas brancas passeavam indiferentes. Eu também estava na mesma situação. Não havia meio de transporte. Apenas vagávamos sem pressa para chegar onde nunca se chega. Nem precisávamos nos alimentar. Vivíamos apenas com as vitaminas provenientes do tédio. O bom é que nada se repete, exatamente porque nada acontece, inclusive, lá não tem calendário intestinal. Dormimos em pé sem medo de se acidentar porque não existe perigo. A leveza é a tônica do lugar. Não precisamos de amigos, inimigos nem de chefe. Somos satisfeitos e isso basta.
Minha ida agora será definitiva. Desisti de consertar o eixo. Minha imaturidade me fez voltar. Queria colocar em prática as teorias que aprendi: ajudar ao próximo, evitar destruir o planeta... mas não deu. Quando cheguei aqui o egoísmo se apossou novamente da minha pessoa e continuei fazendo o mesmo de antes. Todos os dias lembro-me do aprendizado, mas falta-me estrutura emocional para colocá-lo em prática. Até que tentei e fui chamado de ingênuo. Disseram-me que primeiro eu tinha que pensar em mim, depois em mim e finalmente, em mim novamente. Eu questionava que sou representante de um sistema chamado humanidade. Nem isso serviu. Família, amigos... todos reprovaram minha atitude. Falavam que eu tinha que pensar no futuro. Obedeci e hoje vejo que teve um lado bom: agora tenho certeza que aqui não quero ficar.
Heraldo Lins Marinho Dantas (arte-educador)
Natal/RN, 23/02/2021 – 03:59
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