quarta-feira, 17 de fevereiro de 2021

TURISMO COM BENGALA - Heraldo Lins

 


TURISMO COM BENGALA 

 


A idade de passear em consultórios chegou. Uma das minhas diversões é ficar na sala de espera do geriatra. Bexiga baixa, vista cansada, dor na perna... o melhor de tudo é sair de lá com a receita. Ela tem mais valor do que bilhete premiado. Escondo na carteira e fico olhando os jovens sem esse prazer que só nós velhinhos temos: ficar na fila da farmácia. Graças a Deus existem farmácias. Fico querendo adivinhar o que a pessoa à frente está comprando, e para quê. As conversas giram em torno de onde dói mais.  Já caiu no banheiro? Não. Você precisa ver como é bom, diz meu compadre Juvenal: a ambulância chegou e as meninas lindas me pegaram com o maior carinho, ele diz. Os olhos de meu compadre brilharam, e eu fiquei com inveja por não ter caído também. As garotas novinhas me chamando de vovô, disse-me ele.  Essa é a melhor parte, completou o sorriso com a língua para fora porque os dentes já o abandonaram faz tempo. E continuou, depois de tossir e limpar com o dorso da mão. Algumas fazem massagem para melhorar o fluxo de urina. Ah! Incontinência urinária eu faço questão de ter, disse-me ele. 


A nossa vida é um verdadeiro reality show, pensei enquanto Juvenal entregava sua receita ao balconista. Todos os dias vem alguém tirar a pressão, colher sangue, falar que estou bem. Tratam-me como criança. Juvenal é como vovô, mas eu sou uma criança no palavreado das técnicas de saúde: levante o bracinho, vamos tirar a roupinha... deixe eu olhar o pintinho. A bicha tem mais de palmo e meio e elas chamam de pintinho. Deve ser pelo grau de perigo, mas não tenho do que reclamar. São só elas que me dão atenção... entre o pouco e nenhuma, contento-me com o pouco.  

    

     


   

Heraldo Lins Marinho Dantas (arte-educador)

Natal/RN

showdemamulengos@gmail.com

84-99973-4114

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