terça-feira, 8 de dezembro de 2020

SÍNTESE DO SIMPLES - Heraldo Lins

 


SÍNTESE DO SIMPLES


Em cima da mesa há um copo de alumínio. É o copo da estória do homem que chegou à casa de um desconhecido, pediu água e foi-lhe trazido o dito cujo cheio. Quem trouxe estava com uma ferida na boca. O sedento não vendo alternativa, preferiu encostar a boca numa rachadura do copo e beber. O anfitrião riu e disse: o senhor é igual a mim, eu também só gosto de tomar água nesse cantinho. Passados alguns anos da Criação dessa estória, o copo, acompanhado de uma quartinha, fica em cima da mesa de couro do museu da piada. Se alguém quiser tomar água tem que ler a estória, e só depois é-lhe permitido matar a sede. O poder da informação é tão majestoso que ninguém se habilita a tomar água naquele copo. Mesmo tendo um lembrete informando que o copo é bem lavado a cada uso, ninguém se habilita a utilizá-lo. Preferem comprar uma garrafinha no restaurante do museu. Tempos em tempos a estória é encenada no auditório do prédio. Há atores que preservam as boqueiras com o objetivo de concorrer ao papel do anfitrião. Morrem os atores, chegam novos substitutos mas o copo é o mesmo. há muitos colecionadores interessados no utensílio. É tanto que são quatro seguranças armados protegendo essa relíquia. Há filas e mais filas para observá- lo. Turistas de tudo quanto é lugar chegam em caravanas. Há copos similares  à venda, camisetas estampadas e robôs para crianças que chamam-se Robocopo. Mas ele é apenas um dentre vários copos históricos. O copo que Sócrates tomou cicuta está na ala dos copos dramáticos. O que Romeu e Julieta usou, também. Se olharmos ao nosso redor, toda estória tem objetos acompanhando-a: o punhal que matou Júlio César; o prego da crucificação; a bala que assassinou Kennedy; os aviões das torres gêmeas... sinceramente eu prefiro o copo.


Autor: Heraldo Lins Marinho Dantas


Santa Cruz/RN, O6/12/2020


Heraldo Lins é arte-educador


Tel.: (84) 99973-4114


Email: showdemamulengos@gmail.com

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