O SOPRO DA VIDA
O ar ficou preso. O crime cometido foi não ter comparecido ao pulmão na hora certa. Depois desse fato, foram construídas várias penitenciárias exclusivas. A mais famosa é a prisão de ventre. Lá ele fica sob uma rotina tão desumana que quando escapa, o procedimento padrão é colocar a mão no nariz. A bola de futebol também é outro tipo de prisão. Um pouco mais confortável, a bola de futebol foi planejada para chacoalhar o criminoso. O carrasco não o deixa em paz. Quando o ar está quase cochilando lá vem ele bater um pênalti, um escanteio e um lançamento. São as três modalidades mais utilizadas para fazer o ar pagar sua pena. O sistema de vigilância não baixa a guarda. O motivo é porque existem interessados em resgatar ares aprisionados. Os principais é o vento e o espinho. Eles trabalham em parceria. O vento leva a bola e o espinho fura. Mesmo depois de livre, a vida do ar não é das melhores: obrigam-no a misturar-se com a gasolina, óleo diesel e nicotina. Ele está se revoltando cada dia com mais intensidade. E o resultado é juntar-se ao fogo para destruir a mata. Mas não é só isso. Ultimamente foi pego transportando o Coronavírus. Ele disse que nem sabia. Apenas parou e atendeu ao pedido da saliva para levar suas bolhinhas à escola. O covid-19 anda escondido nas lancheirinhas das crianças, e ele nem sabia. Este é o seu álibi. O dióxido de carbono também não deixa o ar em paz. Vive se grudando a ele em nome do progresso. O ar não tem como dizer não. Na verdade nem pode falar. Quem fala em seu lugar são as pregas vocais. A garganta exprime um som, dizendo: vamos deixar o ar mais limpo; viva o ar puro! Abaixo a poluição! Até para ser cuidador de comida o ar é utilizado. Existe um salão de festa chamado estômago. A comida, muito tímida, resolve ir a uma festa neste salão, e, para não ir sozinha, obriga ao ar acompanhá-la. Quando chega ao local o porteiro não deixa o ar entrar. Ele fica por ali sem querer voltar. Refresca-se na brisa do esôfago... admira-se com o céu da boca... conversa com a língua... Repentinamente a tropa de choque chega e expulsa a pontapés o arroto. Ele sai goela afora... sofre um murro da faringe, um chute da epiglote e um tapa do palato. Sai gritando e chamando a atenção. É censurado. Envergonhado se cala. Lá dentro a comida se diverte: dança com o suco pancreático, beija o glicerol e briga com a bile... no auge da farra um curto circuito faz o salão pegar fogo. A comida se apavora... eis então que surge nosso protagonista abrindo a porta de emergência...
Autor: Heraldo Lins Marinho Dantas
Natal/RN, 30/11/2020
Heraldo Lins é arte-educador
Tel.: 84-99973-4114
Email: showdemamulengos@gmail.com
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