segunda-feira, 30 de novembro de 2020

A VIDA DAS PALAVRAS - Diogenes da Cunha Lima

 


A VIDA DAS PALAVRAS

Diogenes da Cunha Lima

 

         As palavras têm vida. Nascem, crescem, nobilitam-se ou se degradam, mudam de forma e de sentido e morrem.  Costumam durar mais que uma vida humana. As palavras dormem nos dicionários até que um pesquisador lhes dê novo sopro vital.

As línguas são compostas por elas, as palavras, e também são mortais. A humanidade ainda desfruta de cerca de 6.800 línguas, algumas delas em via de extinção. O processo de globalização, com o domínio do inglês e o fortalecimento do mandarim chinês, traz neologismos e, ao mesmo tempo, extingue falas.

Relembrando ter sido professor de português, pretendo divertir o leitor comentando inesperadas origens, uso e desuso em função de exigências sociais.

No Direito, já não se pode falar em bastardos, ou em filhos ilegítimos. Em verdade, todo filho é legítimo. A usança de “mãe solteira” é absurda. Mãe é mãe. Ninguém não mais se “desquita”. O Instituto foi substituído por um mais poderoso, o divórcio.

Não existe mais o concubinato, ninguém é amancebado. Valoriza-se a união estável.

As favelas são hoje comunidades. Os barracos transformaram-se em construções irregulares.

Palavras agressivas não podem ser ditas por força de lei, as que revelam preconceito racial ou que ferem a personalidade. Crianças e adolescentes têm direito reconhecido e não são apenas “menores”.

Palavras perderam o uso pelo desaparecimento das profissões. Os poderosos e meticulosos linotipistas já não existem. Perderam o prestígio os exercícios profissionais de engraxates e de sapateiros. As mulheres já não usam luvas neste país tropical.

Para os antigos, e para os poetas, é a sede do sentimento e do pensamento. Por isso, muitas e ricas palavras são derivadas do latim cor, cordis. Assim, misericórdia, a clemência, será uma paixão do coração; saber de cor, quer dizer de memória, recordar, é relembrar. E acordar e anuir, aprovar. Desde que não exista discórdia.

Ariano Suassuna, monarquista, gostava de dizer que o povo brasileiro enobrecia usando palavras próprias do reinado. É um fidalgo para pessoas nobres. O rico e poderoso proprietário de terras é o barão. Quando a pessoa atinge o melhor desempenho é o Rei, ou Rainha. Rei do futebol, rainha da beleza. Uma criança querida é princesinha.

Vale a pena refletir sobre a origem de certas expressões. Entusiasmo é conduzir Deus dentro de si. Desastrado é quem não é conduzido pelos astros, sem estrela.

A expressão lua de mel decorre de um hábito irlandês de ofertar aos recém-casados, durante um mês, uma bebida com mel que seria afrodisíaca. Uma lunação.

As palavras exaltam os falantes, ou os depreciam. Cuidemos delas com carinho.


Diógenes da Cunha Lima (poeta, prosador e compositor) é advogado e presidente da ANL (Academia Norte-rio-grandense de Letras). Alguns de seus livros: “Câmara Cascudo - Um Brasileiro Feliz”, “Instrumento Dúctil”, “Corpo Breve”, “Os Pássaros da Memória”; “Livro das Respostas” (em face do “Libro de las preguntas”, de Pablo Neruda); “A Memória das Cores”; “Memória das Águas”; “O Magnífico”; “A Avó e o Disco Voador” (infantil). 

Foi Presidente da FJA, Secretário de Estado; Consultor Geral do Estado; Reitor da UFRN; Presidente do CRUB. Atualmente, dirige o seu Escritório de Advocacia e preside a ANL (Academia de Letras). Alguns de seus livros: “Câmara Cascudo - Um Brasileiro Feliz”, “Instrumento Dúctil”, “Corpo Breve”, “Os Pássaros da Memória”; “Livro das Respostas” (em face do “Libro de las preguntas”, de Pablo Neruda); “A Memória das Cores”; “Memória das Águas”; “O Magnífico”; “A Avó e o Disco Voador” (infantil).

 

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