ETERNIDADE
Não quero nada que seja eterno:
amor eterno,
ódio eterno,
paixão eterna,
fúria eterna,
paz eterna,
guerra eterna,
vida eterna...
É possível alcançar a vida eterna, diz o grande livro.
Isso a mim, mais parece castigo do que recompensa.
Um castigo eterno, diga-se de passagem.
Veja, não pode haver nada mais entediante do que a eternidade.
O que é o ser humano sem suas contradições,
seus conflitos espirituais que - a todo instante - lhe ferem e lhe curam, sem a vitória e a derrota, sem o choro e o sorriso?
Qual o significado de existir, se já não há a cruel incerteza do segundo seguinte?
Pois em verdade vos digo: antes de partir para a eternidade, quero uma lobotomia.
Nelson Almeida
Natal, 22 de agosto de 2020
23h21min
ÁFRICABRASIL
Lucas não teve infância, nem tempo de brincar
nem direito a ser criança.
Sua casa foi qualquer viaduto.
Brilhavam em seus olhos as luzes dos semáforos,
luzes que a todo instante pareciam lhes dizer: ‘aquela sua esperança, preste atenção, está chegando ao fim!’
Lucas morreu de fome na rua Viagem ao Céu.
E quem se importa!?
Ele é só mais um negro de uma Áfricabrasil.
Nelson Almeida
Natal, 24 de agosto de 2020
8h10min
PROIBIDO CONTAR ESTRELAS
São um espetáculo as noites no sertão.
No céu há milhares de pontinhos cintilantes,
aglomerado de estrelas irrompendo na escuridão,
palco de poetas, seresteiros e amantes.
A meninada enlouquece, mas é proibido contar estrelas.
‘Vai nascer berruga no dedo’, diz dona Terezinha.
Mas José aponta o dedo para o céu e conta oitenta.
Terezinha não aguenta: ‘ô menino turrão, contou oitenta?!
oitenta, pois bem...’
A velha fecha os olhos numa reza lenta:
‘Pai que estais no céu e na terra, para este menino teimoso,
permita, ó Pai, que nasçam oitenta berrugas ao redor do fedegoso’.
Em casa, Terezinha entra altiva.
E José... bem...
José encosta-se na parede, põe uma mão para trás
e se certifica.
Nelson Almeida
Natal, 24 de agosto de 2020
17h14min
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