sábado, 8 de junho de 2019

UMA RELÍQUIA DE JOSÉ ALVES SOBRINHO, POETA E VIOLEIRO - Por Gilberto Cardoso dos Santos


Trago comigo, desde os dez, onze anos de idade, o livro SABEDORIA DE CABOCO,  do poeta e violeiro  José Alves Sobrinho (1921 - 2011). Sempre que necessitei mudar-me de cidade ou de casa, tive o cuidado de trazê-lo comigo. Muitas foram as obras que doei ou joguei fora ao longo dos anos, menos esta. Serviu de deleite não apenas para mim, mas também para as traças, que a deixaram cheia de buracos. Trata-se de um opúsculo com cerca de 80 páginas. Achei que o havia perdido em uma reforma na casa, mas reencontrei-o recentemente. Penso em digitá-lo e disponibilizá-lo aos poucos, pois é digno de todo espaço e atenção no mundo virtual. Um de meus  poemas preferidos é o Falares de "caboco", abaixo transcrito.






 O livro tem uma única e pequena orelha, onde vemos uma minibiografia do autor:























Foto do autor no livro



FALARES DE “CABOCO” (José Alves Sobrinho)

I
Creia-me vossa mercê
Que eu não sou homem de jogo
De beber, de puxar fogo
De frequentar cangerê
Pelo meu jeito se vê
Que eu não sou homem pachola
Nunca fui em uma escola
Mas aprendi no roçado
Cortar de foice e machado
Cantar e tocar viola.

II
Nunca gostei de folia
Encrenca nem mexerico
Conversa-mole, fuxico,
Lambança e patifaria,
Lambacé e arrelia,
Zuada, pantim, besteira
Só saio de casa pra feira
Pra missa ou pra meu roçado,
Com mulher padre e soldado
Nunca tirei brincadeira.

III
Não gosto de tramamoca
Calote, tafularia,
Pechinchage, ninharia,
Manha, denguinho, potoca,
Sou caboco sem caroca
Sem patuá, sem pantim,
Fulerage, tranchinchim,
Conversinha, cacueado,
Arrodeio compra-fiado,
Toda vida fui assim.

IV
Tenho banha no toitiço,
Não acredito em macumba,
Coisa botada, quizumba,
Patifaria e feitiço,
Cafifa no meu serviço,
Quem botar é quem se acaba,
Aborreço gente braba
Que gosta de leva e traz,
Nem creio que o satanás
Vá na minha capoaba.

V
Dentro do meu quinquingu
Caboco nenhum furdunça,
Pois não gosto de bagunça
Zuada nem sanguangu.
Se eu abrir um sururu
Não fica só em banzé,
Não gosto de telelé,
Chalerismo, adulação,
Munganga, cavilação,
Gachimonho nem rapapé.

VI
Nunca gostei de lorota,
Nem me assombro com careta,
Mangação, pilhéria, xeta,
Bazofia, pasquim, marmota,
Nunca fui escova-bota,
Chaleira, nem puxa-saco,
Comigo é taco por taco, 
Não sei falar resmungando
Isso de andar cochichando
É coisa pra homem fraco.

VII
Odeio a cavilação,
Comigo não tem gaguejo,
Pois só creio no que vejo,
No que pego com a mão.
Acredite, meu patrão,
Que eu nunca gostei de intriga,
Não gosto de apartar briga,
Nem pabular, nem mentir,
Tanto me faz engolir,
Como amarrar na barriga.

VIII
Não gosto de enxerimento,
Falação, nem bafafá,
Gabolice, trafuá,
Gaiatice, cabimento,
Porque tenho acanhamento,
Nunca fui intrometido,
Também nunca dei ouvido
A moça namoradeira,
Mulher casada chifreira,
E homem velho enxerido.

IX
Acho coisa muito feia,
E até vergonha pouca
Quem anda batendo boca
Falando da vila alheia.
Isso é pra cabra de peia
Não é pra homem direito,
Sim, quem ninguém é perfeito,
Porém quem tem essa tara
Não tem vergonha na cara
Nem sentimento no peito.








Um comentário:

  1. FOI UM GRANDE POETA, NUNCA VI ELE PESSOALMENTE, MAS POETAS QUE CONHECRAM ELE ME FALARAM, ADORO POESIAS, SOU DE MIRANDIBA-PE.

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