O AMOR AO PRÓXIMO NO MUNDO VIRTUAL
- Gilberto Cardoso dos Santos
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Quase
todos os cristãos e simpatizantes do cristianismo acreditam que Jesus é o autor do famoso
mandamento “Amarás o teu próximo como a ti mesmo”. Todavia, milhares de anos
antes que Cristo nascesse, esse mandamento já fora mencionado em Levítico 19:18.
Ali lemos:
“Não te vingarás nem guardarás ira contra os
filhos do teu povo; mas amarás o teu próximo como a ti mesmo. Eu sou o Senhor.”
Jesus Cristo, porém, não repetiu simplesmente o
que alguém já se dissera, mas deu nova roupagem a este preceito e elevou-o à
categoria de segundo maior mandamento. Diríamos, que no concerne às relações
humanas, ele deveria constar como o primeiro. Esta súmula do decálogo é um
resumo de mais da metade dos dez mandamentos.
Amar ao próximo como a si mesmo é um dos camelos
referidos por Cristo (Mateus 23:24), engolido todos os dias enquanto estamos
presos às redes sociais, coando mosquitos ou espalhando pernilongos infectados. O ocidente cristianizado e altamente
beneficiado pelos avanços tecnológicos, tem a bíblia ao alcance do dedo onde
quer que esteja; pode ler, grifar, colorir e divulgar os ditos de Jesus. Pode,
se quiser, escutá-lo na voz de Cid Moreira. No entanto, apesar das advertências
do Mestre, tão acessíveis hoje, continua insensível à trave no próprio olho,
preocupado com os argueiros alheios.
As redes sociais ampliaram as possibilidades de
transgressão ao magno preceito sem o qual o cristianismo vira uma piada. Quase
ninguém para pra pensar nos males que poderá causar com os comentários e
divulgações que faz.
O grande escritor Umberto Eco disse algo que, à
primeira vista, choca quem o lê, principalmente àqueles que são vítimas do
chamado analfabetismo funcional. Eis o que o autor de “O nome da Rosa”:
“As mídias sociais deram o direito à fala a
legiões de imbecis que, anteriormente, falavam só no bar, depois de uma taça de
vinho, sem causar dano à coletividade. [...] O drama da internet é que ela
promoveu o idiota da aldeia a portador da verdade”.
Quando amenizamos o impacto negativo do termo
“imbecis” e nos conscientizamos de que o escritor não está a nos fazer um
ataque pessoal, mas a tratar duma realidade difícil de negar, somos capazes de
entender melhor suas palavras e aplica-las adequadamente ao presente contexto.
O “causar dano à coletividade” ganhou, sem
dúvidas, infinitas possibilidades com o advento das mídias sociais. As oficinas
do diabo, ou mentes desocupadas, têm agora um amplo espaço para forjar o que
não presta.
Outro termo usado por Umberto Eco que faz eco
em nossa asnice emocional é o vocábulo “idiota”. Quando vamos ao dicionário e
descobrimos que significa “carente de discernimento, falto de inteligência” trazemos
suavidade à suposta ofensa. Ou seja, idiota da “aldeia” (antes local, hoje
global) é aquele que não reflete bem antes de postar algo; às vezes, trata-se de
um fiel membro de igreja que deveria consultar a Deus antes de enviar postagens
suas ou alheias. Bastaria, por alguns segundos, perguntar-se: Se fosse comigo,
com algum amigo ou familiar eu faria isto? Como procederia se este, a quem
denigro, votasse no mesmo partido que eu, ou fosse de meu íntimo convívio? Como
me sentiria se acaso eu fizesse alguma bobagem “dessas” e fizessem o mesmo com
minha imagem ou palavras? Porventura não me sentiria eternamente grato para com
aqueles que de mim tivessem misericórdia?
Todavia, muitos se dispõem a divulgar coisas
nocivas, como se com isso fizessem um bem à coletividade e estivessem a zelar
pela moral pública. Muitas vezes, porém, dão um zoom em algo que de tão pequeno
passaria despercebido – os mosquitos referidos por Cristo -, ou criam factoides
destituídos de qualquer solidez.
Como fica a situação do suposto culpado cuja
inocência vem a ser provada? Será que os mesmos que divulgaram seu crime terão
a preocupação de desfazer o malfeito? Digamos que tentem retratar-se de alguma
forma; será que buscando reparar o dano feito ao semelhante conseguiriam apagar
a influência negativa que tiveram? Obviamente que não! Quem não quiser, pois, ser
merecidamente adjetivado como imbecil ou idiota deve ponderar bem o que posta e
o que diz.
Uma das coisas que tornam a Bíblia digna de
ser lida é a doutrina da misericórdia. Jesus, segundo os evangelhos, era
extremamente misericordioso. Sempre lançou um olhar bondoso e acolhedor às
prostitutas e demais pecadores de seu tempo. Não conseguimos imaginá-lo
compartilhando um vídeo da adúltera Maria Madalena no Facebook ou Instagram.
Jamais escreveria nos comentários: “Que vergonha!”
Vivemos numa sociedade que foi condicionada a
crer que haverá um severo dia de juízo. Os que levam tal crença a sério
deveriam ponderar bem suas peripécias virtuais. Um escritor bíblico nos diz:
Porque o juízo será sem misericórdia para
aquele que não usou de misericórdia; a misericórdia triunfa sobre o juízo.
(Tiago: 2:13)
Exercer a misericórdia, em essência,
significa amar o próximo a si mesmo. O “Não façais aos outros aquilo que não
quereis que vos façam”, enfatizado por Jesus, é outra maneira de dizer “amarás
o teu próximo como a ti mesmo”.
O modo certo de lidar com delitos pessoais de
gente como a gente, sujeita às mesmas paixões que nós, não é divulgando “cenas
do crime” nos espaços virtuais. Há trâmites legais a serem seguidos e gente que
estudou e ganha para tratar destas questões. Deixemos o caso com as partes
envolvidas. Não somos chamados a ser
juízes, a emitir sentenças severas, mas a colocar-nos no lugar de quem errou e
exercer misericórdia - a amar nosso próximo como a nós mesmos.
Uma maneira de nos imunizarmos contra o vírus
da idiotice é dar ouvidos às palavras dos grandes mestres como Jesus, Buda e os
bons filósofos. Confúcio, por exemplo, ensina que devemos ser exigentes conosco
mesmos e benevolentes com os demais.
Já imaginaram que céu virtual nós teríamos
caso seguíssemos estes conselhos? Com certeza a felicidade estampada na linha do tempo seria bem mais real. Jamais criaríamos
infernos para os outros. As “redes”, em cujas malhas muitos hoje se acham presos
e que servem de armadilhas para muitos, se transformariam em lugares de
repouso, berços de poesia, embaladas ao som de vozes nascidas em consciências
tranquilas.
Jamais esqueçamos quando estivermos a navegar
que estamos todos no mesmo barco; que todos somos irmãos, queiramos ou não e
que, mesmo quando profundamente indignos, ainda somos dignos de misericórdia.
Um abraço fraterno a todos os que me leem.
Belo texto reflexivo, Mestre Giba. Parabéns!
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