sexta-feira, 21 de outubro de 2016

Crônica ao Sol - Cecília Nascimento


Crônica ao Sol

Estou farta! Olho a folha em branco: é a primeira coisa que penso em escrever. Estou exausta! As muitas cores me entontecem Logo eu que sempre fui marrom, preta ou cinza. Logo eu que sempre fui silêncio, mistério e calmaria. Logo eu que sempre calei por fora o que gritava por dentro. Justo eu... Decidi, por fim, me pintar. Joguei uma cor na minha face, meus cabelos refletiram a mudança. Joguei cor na minha pele, que a cada flash multicoloria. Joguei uma cor nas minhas palavras, que antes só pintava de melancolia... Nessas em especial, joguei luz, mil tons de ousadia.
Eu lembro que noutro tempo já fui multicor, embora cá fora ninguém tenha notado minha rebeldia, ela sempre esteve aqui dentro, censurando meu aparente estado centrado, minha aparente apatia diante das coisas que disfarçava não perceber. Vieram, porém, os invernos, e minha em alma choveu constantemente, tanto, que encharquei meu coração de dores incomunicáveis, as mesmas que povoaram meus escritos por anos e cá estão iniciando um novo compor, pois, como disse, estou farta...
Tornei-me a moça sem cor, do sorriso expansivo e do olhar tristonho, sempre à margem de qualquer ambiente, sempre à margem de qualquer decisão. Deixei que decidissem que cor eu usaria não somente nos meus cabelos e unhas, mas na alma... E como se isso aparentemente me custasse menos do que custaria enfrentar os conflitos, deixei que escolhessem todo o resto por mim. Nem a última palavra a mim me coube. Apenas o silêncio me pertencia. Assim fui sendo forjada: à ferro, fogo e marretada. Quem olhava de longe, não me percebia, quem de perto, se aproveitava...
Mas um dia, sonhei com o Sol e Ele iluminou dentro de mim sonhos há muito esquecidos, então, estremeci. Não sabia como fugir. Todas as noites, um pedaço despedaçado desse coração era iluminado e eu percebia o quanto havia deixado de mim pelos outros, outros que já nem caminham mais comigo...
Após meses de angústias, decidi abrir a janela; na verdade, uma pequena fresta. Mas foi suficiente para trazer a lume toda uma existência vivida em segredo, nos conflitos da timidez, e uma vida timorata decidiu ousar pela primeira vez. Ninguém acreditou quando eu acordei. Eram tão tímidos aqueles primeiros passos, quantos quiseram dissuadir-me, mas eu prossegui. Resistência e resiliência tornaram-se minhas palavras de ordem e uma busca quase incansável pelo amor próprio teve início. Ainda não o encontrei, mas cada postagem, cada verso, cada flash é a tentativa de encontrá-lo dentro de mim, em alguma parte ainda oculta e obscura do meu coração coadjuvante.
Em momentos de lapso olho no espelho e não reconheço essa face, essas cores, esse brilho que minhas feições adquiriram... Mas noutras ocasiões, sinto que sempre fui e sempre serei a mesma pessoa de sempre, cheia de positividade, outrora mal aproveitada, mas hoje tentando se reencontrar e se reencantar com a vida.
Nesse percurso me canso diversas vezes, como hoje, que estou farta de lutar. Mas algo me diz que esse Sol que um dia perturbou meus sonhos ainda me iluminará muitas boas novas, que por mais que o velho pessimismo queira me convencer de desistir, algo latente dentro de mim insiste em pagar pra ver. Vamos nessa!

Cecília Nascimento
16/10/2016, 17h57min.




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