O bullying na arte do comer bem
por
Cláudio Araújo
É interessante como algumas
atitudes ou ações humanas só são debatidas, aceitas ou combatidas após serem
conceituadas e receberem um nome. O bullying, por exemplo, é uma palavra desconhecida do meu tempo de
infância. Cursei os níveis pré-escolar, fundamental e médio sem ouvir essa
palavra. Nas camadas mais baixas da sociedade, eram comuns os termos populares bulir
e bulinar, que dependendo do contexto em que eram empregados se
alternavam quanto ao grau de gravidade.
Bulinar na verdade se escreve com o — bolinar. Sua
grafia com u é mais uma prova da sabedoria popular, quando
tratada no mesmo nível fonético de palavras tão próximas. Em algumas situações,
uma é consequência da outra: começa-se bulinando e culmina-se, de uma
vez, por bulir. Por isso, sempre que ouço algo como “Fulano foi
vítima de bullying!”, me pego traduzindo mentalmente: “Bulinaram fulano!”
Deixando os buliçosos e
bolinadores de lado, gostaria de discorrer sobre a palavra bullying e
como ela está a cada dia ganhando espaço e se alastrando tal qual uma epidemia
até em nossos costumes mais banais. Em bom português “internetizado”: o bullying “viralizou”.
Segundo o Dicio (Dicionário
Online de Português), Bullying é uma palavra de etimologia inglesa, cujo
significado é: “Forma de violência que, sendo verbal ou física, acontece de
modo repetitivo e persistente, sendo direcionada contra um ou mais colegas,
caracterizando-se por atingir os mais fracos de modo a intimidar, humilhar ou
maltratar os que são alvos dessas agressões. Sendo sinônimo de
ameaça, humilhação, intimidação, maltrato, opressão e tirania.”
Putz! Como uma palavra tão
medonha passou despercebida por tanto tempo? Confesso que não sei a resposta,
mas isso pouco importa. O que importa mesmo é que descobri que sou vítima disso
já faz algum tempo e não percebia.
E como comigo todo castigo
parece ser mais pesado, sou alvo de bullying em um dos momentos mais sagrados
do dia: na hora de comer. Eu tenho todo um ritual para esse sublime momento.
Faço tudo com a maior calma e organização, desde o momento de montar o prato, a
mastigação e a preocupação com a posição em que a comida fica à medida que vou
comendo. E é aí que o bullying acontece: se é pela manhã, dizem que vou
emendar o desjejum com o almoço; se é de noite, perguntam-me se vou fazer
turno, pois pela demora vou passar a noite comendo —
acham um absurdo eu arrumar a comida, separando suas partes, se vai tudo para o
mesmo lugar… E por aí vai.
Seguindo o ditado “Aquilo que
não me mata, me fortalece!”, resolvi tecer alguns comentários em minha própria
defesa, na esperança de ser o pioneiro em um movimento que batizarei de bullying
reverso.
Meu amigo, o que há de mais
prazeroso e importante para o homem do que o ato de comer? Não responda agora.
Tente passar uma semana sem comer e sem paliativos para o desejo de comer. Já
nos dois primeiros dias você sentirá uma falta, uma ausência, uma
impacienciazinha. Do terceiro dia em diante, a crise de abstinência lhe trará
suores noturnos e sonhos com temática recorrente. No quinto dia, você perderá
parte da capacidade de raciocínio e passará a ver comida em tudo quanto é
lugar. Então, algo tão vital para nossa saúde física e mental não merece ser
aproveitado em cada segundo?
Lamento pelos que sofrem de
compulsão por comer rápido e não aproveitam sequer trinta por cento do
processo. Comer é muito mais que abocanhar e engolir.
O primeiro passo é a sedução.
Perceba que a comida não vai até você, a menos que alguém a leve. E mesmo nessa
situação, é você quem a escolhe. Ou seja, ela lhe atrai com a sua aparência,
charme e cheiro — o que lhe faz julgá-la
“gostosa”.
Você se interessaria por uma
comida suja, toda bagunçada e gosmenta? Decerto que não! A exceção seria se
você estivesse cinco ou seis dias sem comer. Nesse caso, já à beira da loucura,
você veria sabor até onde não há.
Diante do exposto, é mais que
natural fazer do ato de comer uma arte.
Inicie apreciando a paisagem:
olhe para a comida, sinta seu aroma, todo seu frescor, toda sua vitalidade.
Toque-a com respeito e carinho, use a ponta da língua para verificar se a
temperatura está boa, se ela está bem temperada, e aproveite para certificar-se
que outras sensações isso lhe despertará. Lembre-se de que ela lhe
proporcionará prazer, bem-estar, leveza de pensamento, equilíbrio em seu dia e
seja grato por isso. Faça-a sentir que a missão dela é importante. Saiba que,
ao saciar sua fome, ela também realiza seu desejo mais íntimo: ser saboreada,
ser desejada, ser comida em toda a sua plenitude.
Organizar a comida enquanto
comemos é uma forma de expressar que ela é importante e que você se preocupa
com seu destino. Por isso, estou sempre mexendo nela, colocando-a ora de um
lado, ora de outro. Isso permite visualizar o momento, despertando novas
possibilidades.
Contenha seu impulso, não há
vergonha nisso. Saboreie a comida devagar. Tenho certeza que ela saberá lhe
recompensar por isso. Imagine o desperdício que é comer uma trufa recheada com
avidez, engolindo-a praticamente inteira ou mordendo-a com toda a pressa. O
recheio não passará de uma tênue lembrança, pois não foi valorizado. Agora, se
você coloca lentamente a trufa na boca, sente sua textura, mordisca sua “casca”
de forma precisa e sem anseios por romper a sua estrutura. Você poderá senti-la
pulsar, sentirá a sua “pele” fina e delicada ficando mais lisa e, de repente,
ela lhe presenteará com o seu néctar interior, inundando a sua boca e lhe
proporcionando uma enorme satisfação.
Comendo dessa forma, a sesta
será um descanso merecido, além de um preparo para a próxima refeição.
Agora, se um dia você olhar
para a comida e sentir uma vibração de insatisfação, traduzida na ânsia de
comer rápido, como se ela estivesse a desejar que você termine logo, é hora de
rever seus conceitos, pois tenha certeza de uma coisa, amigo: você não está
comendo direito!
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