A personagem que pretendo
retratar, como muita gente sabe, é meu pai que deu nome a rua onde hoje estão
os galpões de fabricação têxtil. Manoel Ferreira da Silva ou simplesmente Mané
da Viúva, era fotógrafo, devoto de Santa Rita e seu maior e melhor leiloeiro
até hoje. Nem mesmo nós, especificamente Romualdo Silva, conseguimos sequer
amarrar a “chuteira” dele. Por isso, espero não ser chato e ter a isenção
necessária para não enaltece-lo, simples e puramente, por ser meu pai. Dito
isso, vamos as memórias.
No sábado de Zé Pereira, cedinho
ele arrumava a “lambe-lambe”, tomava seu café e me pedia ajuda para leva-la até
a esquina da nossa rua, a Ferreira Itajubá, para armar a máquina ao lado da
parede do mercado onde estendia o pano, já desbotado pela ação do tempo, que
servia de fundo para as fotos 3x4 ou em tamanho maior.
Lá pelo meio dia com a feira já
quase acabando e a grande maioria das pessoas voltando para os sítios, as
cidades vizinhas, eu desarmava o equipamento, levava pra casa e ele ia até a
Prefeitura ver com estavam os preparativos para o baile da noite. Durante muito
tempo ele cuidou da arrumação, das necessidades da orquestra que – no tempo que
alcancei – era dirigida pelo maestro Oscar. As vezes, vinha um pessoal de fora
principalmente músico da banda da Polícia Militar.
Chegava pra almoçar e não
descansava como fazia costumeiramente. Tinha uma rotina que eu sabia de cor,
mesmo ainda com meus 4, 5 anos de vida. A casa da professora Neném Galdino e
sua sobrinha, Júlia, ficava praticamente atrás da nossa, mas era preciso descer
pra Frei Miguelinho e pegar a rua do Vapor ou Cagô como alguns chamavam. Ia
combinar a saída do bloco, que nem tinha nome mas todos chamavam-no de bloco de
Mané da Viúva e Neném Galdino. O baile na prefeitura era para os ricos enquanto
que o bloco era para os pobres como nós.
Mané da Viúva não ficava no baile
da Prefeitura, mesmo que fosse convidado como sempre acontecia, até para uma
emergência. Preferia ficar em casa e, se houvesse alguma emergência, estaria
pronto para atende-la. Coisa que nunca, que eu me lembre, houve. Essas são as
recordações que tenho do baile de carnaval na Prefeitura.
E aí vamos para o carnaval de
rua. No domingo de Ze Pereira, logo cedo, ele saía no caminhão de Faustino para
Campo Redondo. Feira menor, com menos tempo e de volta lá pela uma hora da
tarde. Almoçava em casa e não na sua comadre dona Ana do compadre Joca, e o
papo com Manoel Norberto era menor. No caminho, já vinha conversando com
Faustino sobre o roteiro do bloco que saía em cima da carroceria do caminhão de
Faustino, embora já fosse conhecido de cor e salteado.
Assim que chegava, mamãe colocava
– e ela nunca foi muito de carnaval, relutava e acabava não indo – o almoço.
Ele não se demorava muito, saía para conversar com Zé Galdino, o sanfoneiro do
bloco e de outras festas. Nisso ia juntando os amigos, conversando com um, com
outro até coisa de quatro horas da tarde quando ele chegava em casa para um
banho, trocava de roupa que não era uma fantasia porque ele não gostava e já
estava pronto esperando Faustino chegar com o caminhão na porta da nossa casa.
Era um carnaval simples, sem muita bebedeira. Era um passeio pela cidade
pequena e isto se repetia ao longo dos outros dias de carnaval, mas sem se
descuidar das obrigações do baile da Prefeitura. Ele costumava dizer que reunir
os amigos era algo impagável, fosse no carnaval, fosse na festa da padroeira,
no São João, no aniversário...
Interessante porque no bloco só
saiam duas mulheres: Neném Galdino e Júlia. Não tinha estandarte nem fazia
muito barulho. Entre os amigos de Mané da Viúva que eu me lembre na
brincadeira, estavam Michael, os sapateiros Chicó Flor e Matias, o açougueiro
Zé Vicente, o flandeleiro Juvenal Pé de Copa. Mesmo sem ouvir absolutamente
nada, Miguel Doido não deixava por menos, estava lá firme e gritava a
vontade. Alguns outros que não lembro.
O bloco tinha algumas paradas
obrigatórias. A primeira delas e me lembro que o dono da casa fazia questão que
fosse a primeira, era em Jácio Fiúza, situada na esquina onde foi o INSS, onde
os foliões encontravam Jácio na porta com dona Aidé, sua esposa, com uma mesa onde
havia algumas bebidas e o bloco ficava no espaço do terreno se divertido por
uns 20 minutos. Depois era na outra esquina, em Miguel Farias. Nada diferente e
Miguel se divertia com todos eles. Mané da Viúva tinha uma amizade muito grande
com os dois. O primeiro pelo lado político e da prestação de serviço durante o
alistamento eleitoral e também prestação de contas de obras realizadas com recursos
dos governos Municipal e Federal, quando era necessário comprovar com fotografia.
O segundo, Miguel Farias, pela convivência natural da cidade, da organização do
leilão e da festa da padroeira, Santa Rita. Ele tinha o maior respeito pelos
dois e ainda Odorico Ferreira de Souza.
Saindo dali, passavam onde hoje é
o Trairy Club e seguiam no rumo da casa de Clodoval Medeiros, aliás passagem
obrigatória de qualquer farra que se prezasse na cidade. Mas não demoravam
muito, seguiam o trajeto descendo a rua no rumo da cadeia pública, subiam a
Eloy de Souza, davam uma volta na praça, entravam no beco das Almas,
cumprimentavam monsenhor Emerson Negreiros com um toque de Zé Pereira e desciam
até a cadeia para passarem o rio, se não estivesse cheio e para alcançarem o
Paraíso. Subiam a Padre Antonio Rafael e desfilavam por duas vezes, atravessavam
novamente o rio e chegavam a Frei Miguelinho indo até a Padre João Gerônimo para
entrarem na Rua Daniel, hoje Augusto Severo e Mossoró. Em frente a igreja
encerravam o desfile e cada um seguia para suas casas até retornarem no dia
seguinte.
Há uma curiosidade interessante.
Na terça feira de carnaval, o bloco fazia todo o mesmo percurso mas não parava
em frente a igreja, descia na Camilo José da Rocha, entrava na rua do Vapor ou
Cagô, hoje Dr. Jácio Fiúza, fazia uma parada em frente a casa de Neném Galdino.
Ela e a sobrinha desciam, e os homens seguiam pela rua, entravam na Frei
Miguelinho novamente e dobrava a direita na Ferreira Itajubá, no rumo do
cabaré. Lá, todos desciam e as prostitutas vinham se agregar ao bloco no meio
da rua onde dançavam até por volta das 7 da noite, todos na rua, não entravam
nas ditas casas de recursos. Quando perguntado porque isso, Mané da Viúva dizia
que elas também eram filhas de Deus no que minha mãe, dona Rosa, concordava.
Ele dançava o tempo todo abraçado com Adelaide, sua irmã, uma mulher esguia,
bonita, inteligente mas muito frustrada. Acabou cometendo suicídio, jogando
álcool em todo o corpo e tocando fogo. Nunca mais Mané da Viúva encerrou o
carnaval no cabaré. Os amigos iam, ele descia na curva da rua, alí onde ficava
a bodega de Maria do Carmo de um lado, do outro a casa do trombonista João Leão
e na frente a bodega de dona Chiu.
cara xou de bola, era desse jeito...
ResponderExcluirnois era deliz e num sabia...
manda mais leriados da terra de ritoca.
um abraço
tarcisio ataide
Obrigado, Tarcísio.
ResponderExcluirEncontrei nessa terça feira de carnaval com meu amigo, Garotão, nosso Edilberto Ribeiro. Com a intimidade que temos, desde os tempos de primário, ele foi logo me dizendo: "Faltou na postagem sobre Mané da Viúva, colocar a música que ele saía cantando". Eu concordei e faltou mesmo. Logo em seguida, ele canta a música da forma como papai, analfabeto, cantava: "O broco da vitora tá na rua/ derna cudia raiou..." E fiquei feliz, quase choro. Obrigado, Garotão pela lembrança. Aliás, você é outro que poderia contribuir com a história de Santa Cruz que anda se perdendo. Você é inteligente, escreve bem e tem memória fantástica.
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