quarta-feira, 6 de janeiro de 2016

CÉU AZUL ANIL - Nelson Almeida



CÉU AZUL ANIL

Nelson Almeida.

Era um tranquilo fim de tarde dominical e as crianças brincavam alegremente na areia. Nos bares, um aglomerado de gente assistia ao clássico local. De repente um bêbado grita: Goool!, junto com ele os demais. Não os demais bêbados, os demais torcedores. A brisa soprava os cabelos das morenas que, sem alarde, desfilavam pela orla. Tudo transcorria sossegadamente naquele fim de tarde.
Senti vontade de correr pelas ruas dizendo a todos que sou feliz, que viver vale a pena, que amar vale a pena. Foi quando o time adversário, que jogava pelo empate, empatou; aí o jogo teve seu fim, o campeonato teve seu fim, a calmaria daquela tarde teve seu fim. O cenário mudou, homens de meia idade e jovens tresloucados se digladiavam. A pancadaria era geral.
O som da sirene do carro de polícia destoava do doce e agradável barulho das ondas do mar. Num efeito doppler o som da sirene era cada vez mais agudo, à medida em que de nós a viatura se aproximava. O ambiente era de terror! Pânico nas ruas, histeria geral, crianças gritando e pais atordoados protegendo seus filhos.
No calçadão da praia um homem, vítima de bala perdida, agonizava minutos depois de ter declarado seu amor e pedido em casamento a mão de Anita. Choros, gritos, súplicas de paz e de amor ao próximo eram o que mais se ouvia. A areia, onde as crianças brincaram, perdeu sua brancura e deu lugar ao ardor do rubro líquido vital.
Policiais bradavam ordens a todos ali presentes, dizia um tenente: “afastem-se da cena do crime e deem vez aos peritos criminais para que examinem o falecido”. Amanhã, talvez façam marcha de protesto. Talvez, – caso o extinto seja funcionário público –, não haja expediente nessa segunda-feira gorda que nos arrasta sonolentamente à labuta.
Certamente, pedidos de justiça encherão a programação das emissoras locais e na TV algum político demagogo fará desse episódio dantesco escada para suas promessas de campanha. Promessas tão impróprias quanto ser penalizado em multa quem tirou a vida de um inocente.

Naquele fim de tarde percebi quão efêmera é a vida, mas não aceitei tal condição, não me conformei com a ideia de que a vida é assim. Então corri pelas ruas gritando que sou feliz, que eu vivo e vale a pena viver, que eu amo e vale a pena amar. Com uma força propulsora, que até então eu desconhecia, vociferei contra a apatia das pessoas face ao que ocorrera minutos atrás. A verdade é que tudo mudou naquele fim de tarde, tudo, menos aquele lindo céu azul anil. 

Um comentário:

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