Há um emaranhado de leis que dão
embasamento ao ordenamento jurídico. São artigos, parágrafos, incisos, códigos,
estatutos, decretos, acrescidos de regimentos, atas, normas, regras, acordos,
combinados e até exceções que visam organizar, moralizar, corrigir, advertir,
coibir, penalizar, na nossa casa, na rua, na blitz, no radar e previstos em
sinalizações e avisos que vão desde extensas mensagens até lembretes
simpáticos: sorria, você está sendo filmado!
Na verdade todos nós nos revestimos
de certa autoridade ainda que em alguns momentos e situações específicas. Esse
poder nos chega pela hierarquia familiar ou na empresa onde trabalhamos, pela
instituição onde exercemos um cargo voluntário, pelo respaldo legal da formação
acadêmica e enfim, de algum modo e até por questões que envolvem nossa própria
justiça, recorrendo ainda que seja à lei do bom senso.
E foi assim que outro dia advoguei a
favor do Xote Ecológico do centenário Gonzagão, ensaiado numa versão
adulterada. Cantarolava-se que nem o Chico Bento sobreviveu. Consegui devolver
o Chico Mendes e socorri a música. Fiz mais pelo autor para que sua composição
não seguisse a partir dali com injusta deformação, mas não fui capaz de corrigir
meu sogro, aos gritos: “deem água a esse bezerro que ele também é ser humano”,
nem ousaria usar de autoridade para constranger um dos nossos homens de
comércio em sua felicidade pela concretização de um diálogo “à altura” com seu
interlocutor:
- Me dê um copo de H2O!
Prontamente colocou um copo sobre o
balcão e o encheu com água:
- Tá vendo, também sei inglês!
Em pesquisa recente descobri que O
Código de Processo Penal Brasileiro criado em 1941, no Art. 244 já
previa que “A busca pessoal independerá de mandado, no caso de prisão ou quando
houver fundada suspeita de que a pessoa esteja na posse de arma proibida ou de
objetos ou papéis que constituam corpo de delito...” Em minha insistência na
procura achei coerente e lógica a interpretação prevista no citado artigo de
que “Diante da fundada suspeita de que uma pessoa esteja na posse de arma
proibida, o policial pode e deve realizar a busca pessoal, independentemente de
mandado”.
Foi de posse desta informação que
encontrei nos meus registros dois casos dignos de nota que aconteceram no
passado em nossa cidade. Um pela passagem do sargento Macilon, junto à esposa
dona Aparecida. Eles participavam, organizavam e animavam as noites de
carnaval. Num desses dias seu Zé André puxou da cintura uma faca a fim de fazer
um cigarro de palha. Logicamente foi abordado pelo sargento em traje
carnavalesco e munido do então artigo 244:
- E essa faca?
- E o senhor quem é?
- Eu sou o delegado!
- A mim não me consta, pois eu
conheço a poliça é pela roupa e pra mim o senhor tá nu.
O segundo foi com o senhor Boa
Noite abordado por um policial militar diante da denúncia de que estava
embriagado e portando um objeto cortante:
- Me dê a faca!
- Num dou!
- Pois teje preso!
- Num tou!
Por justiça, deixo aqui de autoria do
septuagenário Irmão Jaime, uma frase representativa daquelas que neste contexto
se submetem à legislação gramatical, sem nenhuma transgressão. Foi desde quando
ele negociava ao interpelar um dos seus fregueses para ser justo na cobrança da
conta, tanto quanto o foi para com a linguagem formal: “Foram quantos sequilhos
mesmo?” E é de meu bisavô, Fernando Vaginova, bem ali do século passado, a
resposta que registro merecidamente e, ao menos no meu texto, em letras garrafais,
quando foi interrogado sobre o que impede o progresso de um povo e que pode até
explicar ou justificar o entrelaçamento de leis criadas sob medida para tudo e
para todos:
- A IGNORÂNCIA.
- A IGNORÂNCIA.
Enfim, como escreveu Euclides da
Cunha quando engenhou Os Sertões, “Resumamos: enfeixemos estas linhas esparsas”
que não eram esparsas, mas que aqui são bem poucas e intensamente passíveis de
penalidades.
Obs. Agradeço a meu pai, Antonio
Branco, pela contribuição no texto quanto aos relatos históricos.
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