Apresentando um poeta
LUIS DA CÂMARA CASCUDO
Apresento-vos ao poeta Cosme
Ferreira Marques. Todos os seus versos estão reunidos, como vegetação legítima
do sertão, flores, cardos, corimbos, folhas, no bojo da canastra véia acolhedora
e una.
Vereis a simplicidade
comunicativa do poeta e os elementos que ele dispôs para fazer ouvir sua voz
até as margens do mar, vinda do coração da terra norte rio grandense entre as pedras
altas e brancas dos serrotes, dos taboleiros imensos, povoados pela estridência
metálica da seriema.
Jeca Tabúa mora na cidade de
Santa Cruz, um ramo de quilômetro para o interior. Cercado de filhos, ganhou
até poucos meses, vencimentos que seriam recusados por uma semana de trabalho
urbano. Duzentos cruzeiros mensais!
Com esse dinheiro, a família
tradicionalmente viva, palpitante de inteligência e de vibração, bem grande e
bem resignada, o poeta não deixou de cantar e sonhar, entre pedras e sofrimentos,
numa atitude obstinada de exilado que teima em olhar, no horizonte longínquo, a sombra da terra em que nasceu.
Não haverá valorização mais
alta, irrespondível e lógica que o perguntar-se ao criador em que estado e
circunstância psicológica realizou a sua criação.
Certo é que o talento é
determinador de maravilhas em qualquer posição tomada ante a vida. Mas vamos
pensar no que seria Alexandre Magno tendo nascido na Albânia ou Vitor Hugo cidadão
de Karthum. E se o elemento econômico, ambientador, não anima ou retarda o voo luminoso
da poesia. Ninguém discute que os poemas da Liberdade foram escritos na cadeia
e que quase todos os mestres do
Humorismo foram homens tristes, de vida triste.
Cosme Ferreira Marques é poeta
que, antes do livro, nos dá uma lição de perseverança e de fidelidade letrada.
Tudo que o podia desanimar e vencer não o desanimou nem o venceu. Passou
epidemia, tempestade, crise, desalento, como um avião atravessa nuvem ou,
lembrando um verso de Ferreira Itajubá: - um gume cortando polpas de maçãs
maduras.
Quando muita gente desanimou e
virou homem prático, acabando rico e dispéptico, Jeca Tabúa continuou poeta,
poeta, poeta.
Vereis, Leitor bem
intencionado, que todos os temas desse livro são assuntos humanos, episódios
domésticos, nomes de filhos, de amigos, de companheiros, ramos da paisagem doce
e ambiental que o cerca.
Para Cosme Ferreira Marques,
para sua inteligência sensível e grande coração afetuoso, a Poesia é a grande
consoladora, a luz serena, dando calor e guiando.
Para ele a Poesia é sagrada e
ritual, como Saadi, Omar Kaiiam, Tagore ou Mistral.
Nada mais emocional que esse
pai que não pode comprar um presente para o aniversário da filhinha, o mais
simples, o mais pobre, o mais humilde presente. Para festejá-la escreve um
soneto, uma canção e entrega à filha, como a oferta do seu sangue, a luz do espírito,
o ritmo do coração. A pena, como o bico do pelicano clássico, abre o peito e a
filhinha recebe um presente arrancado à alma que a gerou.
Lembro que, na Idade Média,
quando os trovadores e troveiros viajavam sempre, passando e repassando a
muralha dos Pirineus, indo para os reinos de Castela, Aragão, Leão e Navarra,
indo para a Provença, para o condado portugalense do conde Afonso Henrique, não
tinham, muitas vezes, uma só moeda na sacolinha pobre.
Chegava o poeta, o felibre, o
mestre cantor, na cabeça de uma ponte. Era preciso pagar a travessia, o direito
de pedágio. O poeta parava, erguia a citara ou o citolon, e cantava, ao vento triste
da tarde, uma canção. Era a moeda que Deus lhe dera para viver.
Cantava e passava. Pagara o
direito do pedágio.
Assim Jeca Tabúa, Cosme
Ferreira Marques. Quando a emoção lhe exige os direitos da impressão mental,
quando a família lhe pede a prova da alegria cordial, quando os amigos recordam,
inconscientemente, o dia de festa e de oferta, o poeta, sem a moeda que os
homens fabricam e que vale tudo para a poeira do Mundo ergue a voz, cantando
num verso simples, o direito de cunhar e circular a outra rutilante moeda cujos
domínios estão em todos os espíritos.
E assim passa, de coração em
coração, para o Futuro...
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