Procurei informações nos blogs mais lidos da cidade quanto ao horário do velório e sepultamento. Decepção! Nenhuma notícia. Aumentada a minha angústia, lembrei-me de ligar para um dos centros de velório da cidade, de onde obtive informações. Apressei-me, corri, mas ainda assim cheguei atrasado. O ataúde já havia sido fechado e se encaminhava lentamente para a cidade dos mortos. Segui o féretro mergulhado em minha solidão, tentando buscar na reminiscência de minha deficiente memória, alguns dos momentos que passamos juntos e que somados foram responsáveis pela consolidação de uma amizade discreta e de pouco mais de uma dezena de anos. Seu último gesto para comigo foi um aceno de mão, na porta de sua casa, seguido de uma promessa sorridente de uma conversa que jamais se realizará. Aquele aceno, era na verdade, um último adeus!
Nada direi de sua figura controversa, não me interessa pintar-lhe o retrato com a paleta e as cores da moralidade, quem quiser julgá-lo que o faça por si mesmo. Interessa-me nesta singela crônica de saudade, homenagear Geraldo, o menino nascido na poética e licenciosa Rua do Vapor, imortalizada pela força do lirismo de sua pena, em várias de suas crônicas. Geraldo, que não tendo conhecido o pai biológico, amou edipianamente a mãe com tal e tamanha intensidade, que seus tantos outros amores parecem apenas pálidos reflexos diante desse amor maior.
Ainda criança, conheceu a face de uma vida dura, minguada, de recusas e até de humilhações. Mas renitente, obstinado, com sua peculiar inteligência e reconhecida sagacidade, sobreviveu a tudo isso. O jovem Geraldo, ingresso na Marinha Brasileira, singrou os mares brasileiros, conheceu outros países e foi também, naquilo que lhe coube, protagonista nos tempos da segunda guerra mundial. O balanço das águas do mar, as inúmeras viagens que fez, o companheirismo militar, a caserna, tudo isso moldaram-lhe o caráter de homem aventureiro, seguro de si, e fizeram de Geraldo Moura, o mais boêmio dos boêmios que esta terra conheceu.
Quantas serenatas embalou a sua voz? De quantas serestas participou? Quantas mulheres não sucumbiram ao seu canto sedutor? Geraldo foi um esgrimista das palavras, cujo fio de navalha, dotado de fortíssimos argumentos e limados pela leitura, pelo autodidatismo e pela experiência de vida, deixavam quase sempre os seus oponentes, na defensiva ou completamente rendidos. Foi senhor dos bate-papos do Cafezinho do Galego, em Santa Cruz, ou do Café São Luiz, reduto da mais fina boemia e intelectualidade natalense. De Geraldo Moura vou lembrar de seu gestual, de seu português correto, do entusiasmo de sua poderosa voz, da elegância em seu modo de trajar-se.
E agora, que jaz no seio de sua terra amada, Geraldo, o cronista, o poeta, o boêmio, o cantor, está a reclamar o epitáfio de seu túmulo, por ele mesmo escrito com os seguintes dizeres: “Aqui, Geraldo de Severina de Sinhá Ninha da rua do Vapor: que soube ter ao seu lado homens sábios, mulheres bonitas...E um só amor”. Bem como a sonhar com o lançamento do livro “Santa Cruz do Inharé”, que em vida, não teve tempo de publicar. Somente depois disso, Geraldo Henrique de Moura, mestre da palavra, no seu próprio verbo, finalmente descansará em paz com sua história, com seu destino, que ao contrário do que pode evocar a Rua do Vapor, jamais se evaporará!
Marcos Cavalcanti
PS: Texto lido no programa Verso e Companhia, e publicado agora neste blog por ocasião dos 30 dias de falecimento de Geraldo Henrique de Moura (*20-09-1923 a + 15-12-2011).
Caro Mestre, também senti a não divulgação na nossa mídia local da morte do Sr.Geraldo Moura. Tive a honra de conhecê-lo ainda eu criança, mais precisamente em 1973, na cidade de São Bento do Trairi, quando, na oportunidade, ele adquirira uma propriedade, vizinha a de meu pai, de quem Seu Geraldo se tornara grande amigo.Papai, eu e todos que o conhecíamos adorávamos a sua voz e as suas histórias marinas e passionais que, com muito entusiasmo e elegância, contara na calçada da bodega de meu tio Pedro Costa, em São Bento do Trairi. Muito tempo depois é que eu soubera que ele também era um excelente escritor. Valeu Mestre por ter tão bem lembrado um homem muito importante de nossa história trairiense.
ResponderExcluirBela e oportuna homenagem!!!
ResponderExcluirMarcos,
ResponderExcluirExcelente texto sobre Geraldo Moura. Conheci-o meio "de longe", mas pude ouvir algumas de suas alegres histórias, "moldadas", como você bem disse, por um respeito cuidadoso à nossa bela e imortal Língua Portuguesa.
Seu falecimento, tendo sido ele o grande santacruzense que foi, deveria ter sido mais divulgado.
Parabéns, Marcos!
Marcos,
ResponderExcluirExcelente texto sobre Geraldo Moura. Conheci-o meio "de longe", mas pude ouvir algumas de suas alegres histórias, "moldadas", como você bem disse, por um respeito cuidadoso à nossa bela e imortal Língua Portuguesa.
Seu falecimento, tendo sido ele o grande santacruzense que foi, deveria ter sido mais divulgado.
Parabéns, Marcos!
Lamento Gilberto que você dê guarida a anônimos depois que assinou o nosso manifesto contra o anonimato. Digo com toda convicção que o seu excelente blog não necessita destes parasitas das sombras.
ResponderExcluirPelo menos quanto ao que escrevo, peço a gentileza de não postá-los.
Nailson e Teixeirinha, e se JM for o meu amigo João Maria, obrigado pelas observações. Há quem fale da vida e há quem fale da morte, há quem lembre dos vivos e há quem queira lembrar dos mortos; mas há também aqueles que não fazem uma coisa nem outra, talvez sejam os mortos-vivos ou os vivos-mortos de que falo em um de meus poemas do Viagens ao além-túmulo. De qualquer forma, penso que respeitar uns e outros seja um sinal de sabedoria e educação.
Boa Noite caro amigo marcos,gostei da homenagem,não poderia ter dito melhor.gostaria muito de poder conversar contigo para poder-mos falar um pouco mais de seu geraldo henrique de moura é suas historias um abraço.de seu amigo GERISSON MOURA
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