Nota de Nailson: "Caro Gilberto, essa peça teatral (miniteatro) foi escrito em 2008, na minha despedida da educação. Era a Semana Cultural da Escola José Bezerra e fui intimado pelo diretor [João Bezerra] pra fazer algo para a 2ª noite. De repente pensei em valorizar a literatura local. Então criei um diálogo entre algumas poesias de Augusto dos Anjos e Marcos Cavalcanti. Claro que incluí outros personagens na trama, para dar ritmo ao texto. Escolhi alguns alunos, sem experiência nenhuma de representação, ensaiamos e apresentamos. Olha, Gilberto, foi muito bacana! Que pena que não pudemos filmar!"
TÚMULOS DO ALÉM”
CENÁRIO: SOZINHO NO PALCO (PROVAVELMENTE UM BAR) E SENTADO EM UMA
CADEIRA, DEBRUÇADO SOBRE A MESA ESTÁ O POETA, MUITO TRISTE A RECITAR O
POEMA PSICOLOGIA DE UM VENCIDO.
POETA: Eu, filho do carbono e do amoníaco / Monstro de escuridão e rutilância,
/ Sofro, desde a epigêneses da infância, / A influência má dos signos do zodíaco. /
Profundíssimamente hipocondríaco, / Este ambiente me causa repugnância ... / Sobe-
me à boca uma ânsia análoga à ânsia / Que se escapa da boca de um cardíaco. / Já o
Verme – este operário das ruínas - / Que o sangue podre das carnificinas / Come, e
à vida em geral declara guerra, / Anda a espreitar meus olhos para roê-los, / E há de
deixar-me apenas os cabelos, / Na frialdade inorgânica da terra.
APARECE REPENTINAMENTE UMA MULHER NOVA E MEIO TAGARELA. ELA PÁRA
COM UM JEITO DE REPROVAÇÃO OLHANDO PARA O POETA E APONTANDO PARA
O PÚBLICO E PERGUNTANDO: Esse cara aí (AGORA APONTANDO PARA O
POETA) é doido ou o cigarro paraguaio queimou seus neurônios?
ENTRA DE VEZ O PROFESSOR E REPREENDE A MULHER: Nenhuma das alternativas,
minha filha. Esse cara aí é o Poeta, filho do amoníaco e do carbono.
MULHER: Filho de quem? Eu pensei que todos os humanos tivessem um pai e uma
mãe de carne e osso, como nós.
PROFESSOR: Na verdade, ele é tão humano quanto nós. É que ele não é dado às coisas
da religião, ele é ... assim... como é que eu digo .... mais ligado às ciências, ele é
meio ateu.
POETA: ah, ah, ah, hummmm, hummm.
MULHER (ESPANTANDO-SE E BENZENDO-SE): Ele tá é bebo, tá, bichim?!
PROFESSOR: Não! Ele não é chegado à bebedeira. Ele é uma pessoa assim mesmo,
pessimista, triste e desencantado da vida. O seu único livro publicado, EU, tem
escandalizado a sociedade inteira, que é chegada mais aos poemas românticos, sem
palavras grosseiras como “verme, escarro, miserável etc”.
MULHER: Viche, só por isso!? (DIRIGE-SE AO POETA MEIO ASSUSTADA,
PÕE, DEPOIS DE ALGUMAS TENTATIVAS, A MÃO EM SEU OMBRO): Psiu,
seu Poeta, fique tristinho não, vice. A vida é assim mermo. Um gosta, outro num
gosta. Eu não vi seu livro ...
(O POETA BRUSCA E RAIVOSAMENTE TOMA A PALAVRA E GRITA SEU
POEMA “VERSOS ÍNTIMOS”): Vês?! Ninguém assistiu ao formidável / Enterro de
tua última quimera. / Somente a Ingratidão – esta pantera - / Foi a tua companheira
inseparável! / Acostuma-te à lama que te espera! / O Homem, que, nesta terra
miserável, / Mora, entre feras, sente inevitável / Necessidade de também ser fera. /
Toma um fósforo. Acende teu cigarro! / O beijo, amigo, é a véspera do escarro, / A
mão que afaga é a mesma que apedreja. / Se a alguém causa inda pena a tua chaga, /
Apedreja essa mão vil que te afaga, / Escarra nessa boca que te beija!
MULHER (BENZENDO-SE): Minha santa do macaco gago, agora que não entendo
mais nada!
PROFESSOR: É um soneto belíssimo, aquele formado por dois quartetos e
dois tercetos. Estilo clássico de se fazer poesia. O poeta misturou a beleza dos
versos decassílabos, a categoria de palavras científicas e a grosseria de palavras
não poéticas e traçou para si e para o ser humano a perspectiva de um destino
inescapável, um caminho de sofrimento e dor. É “A influência má dos signos do
zodíaco”; “Profundíssimamente hipocondríaco. Ele é realmente niilista.
MULHER: Ni .. o quê?
PROFESSOR: Niilista, isto é, negativista.
MULHER: Pois, seu bichim, eu conheço lá das minhas terra, Santa Cruz do Inharé,
lá no Trairi dos cafundó do RN, um poetero danado de bom. As poesia dele é assim
aparecida com essas desse doido aí (APONTANDO PARA O POETA). Só que o
meu conterrano santacruzense é munto esperto, irônico, cômico e num qué morrê não
sinhô. Brinca tão bem com o palavriado que num sei pru quê num é famoso como
esse aí? É o Mago do Além-Túmulo.
Merecida homenagem, Nailson! Eu a assisti.
ResponderExcluirObrigado Gilberto por divulgar esta peça do grande Nailson Costa, poeta amigo que foi o pioneiro em divulgar a literatura do Rio Grande do Norte nas salas de aulas de Santa Cruz. Senti-me muitíssimo honrado de figurar como personagem literário ao lado de Augusto dos Anjos, na interpretação que fizeram dos nossos poemas, os alunos da escola José Bezerra Cavalcanti. Essa homenagem muito me tocou e ainda me toca, ainda mais tendo sido, vamos por assim dizer, "le gran finale" da atividade laborativa de um dos melhores professores que Santa Cruz já teve em seus quadros educacionais.
ResponderExcluirGRANDE NAILSON COSTA!
ResponderExcluirESPERO QUE MEU COMENTÁRIO DÊ CERTO AGORA! RSRS
JOÃO!
QUE BOM...IUHHHH! RS
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