quinta-feira, 9 de junho de 2011

FILOSOFIA DA JUSTIÇA. - Marcelo



FILOSOFIA DA JUSTIÇA.

Aquela era mais uma manhã de sol, cujos primeiros raios dissipavam mansamente a bruma matinal. A abelha bateu suas asas e seguiu seu misterioso instinto em busca do saboroso néctar. As flores, sensíveis por natureza, começavam a se abrir aos leves toques da luz solar.

Seria apenas mais um voo se não fosse aquela teia intransponível. A aranha trabalhara astutamente durante a noite e ao amanhecer a armadilha estava pronta.

A abelha ainda tentava se desvencilhar inutilmente, quando percebeu aquele bicho horrendo a se aproximar. De perto, achou a aranha ainda mais feia: oito patas enormes, oito olhos...

À abelha só restava uma tentativa de saída: o argumento.

“Senhora aranha, por que faz isto comigo? Deveria fazer como eu e se alimentar do néctar das flores; ou como o gafanhoto, de folhas frescas.”

A aranha, que nunca havia parado para pensar porque precisava matar outros bichos para viver, respondeu tentando simplificar a discussão: “Eu não gosto de flores, nem de folhas.”

“Dona aranha, mas isso é injusto. Você tem oito patas longas e fortes, sabe construir uma teia resistente e pegajosa e ainda carrega consigo um veneno mortal. Eu, ao contrário, sou pequena e indefesa diante de suas habilidades e dotes descomunais.”

A aranha parou, pensou, pensou, pensou e se defendeu:

“Acho que você tem razão. É muito injusto eu precisar te matar para garantir minha vida. Outro dia matei e comi um pobre grilo que andava por aqui cantando e alegrando a floresta. Senti-me mal, confesso, ele não fizera nada contra mim.”

Com um pouco de esperança, a abelha arrematou:

“Pois bem, tampouco eu te fiz mal algum.”

Já quase sem argumento, mas com o estômago vazio, a aranha desabafou:

“Eu não escolhi precisar da sua vida para viver, já nasci assim. Até tenho piedade de você, mas não tenho escolha, vou precisar te matar para garantir a minha sobrevivência. Ademais, já vi pobres aranhas serem devoradas por pássaros insensíveis. A injustiça parece ser a lei da vida.”

“Antes de te matar, porém, quero te fazer uma pergunta: quem te enganou dizendo que a vida é justa?”

Sem esperar a resposta, a aranha injetou seu veneno mortal na abelha. Sua vida estava, por um momento, garantida.


Marcelo Pinheiro

13 comentários:

  1. Marcelo,

    Entre outros talentos, você é um excelente escritor de fábulas poéticas, que tantas lições encerram.

    Parabéns!

    Aguardo a próxima!

    Grande abraço!

    Teixeirinha

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  2. Seria muito bom, Marcelo, que os professores de Língua Portuguesa/Literatura de nossa cidade valorizassem mais nossas produções. Essa Fábula/Apólogo deveria ser trabalhada em sala de aula. Sou ex-professor e confesso que estou melhor hoje, porém digo-lhe, com certeza, sinto uma falta danada desses momentos deliciosíssimos em que trabalhava obras de nossos queridos poetas e escritores. Fiz muito isso. Que saudade! Parabéns, Marcelo pelo excelente texto!

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  3. Teixeirinha, o melhor deste Blog é que temos excelentes textos e não pagamos nada pra ter o prazer da leitura, não é? Todo final de mês vou a Natal e, quando posso, compro um livro, geralmente coletânea de poemas, crônicas e, às vezes, romances, geralmente de escritores potiguares desconhecidos. Os livros são bons e caros. Aqui, os "livros" são bons e baratos. Continuem escrevendo, meus amigos! Tô gostando muito!

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  4. Valeu, Nailson, pelo estímulo!

    Digo o mesmo: continue escrevendo!

    Teixeirinha

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  5. Um túmulo estremece em Paris
    a cada texto de Marcelo:
    É La Fontaine com medo de ser superado.

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  6. Marcelo, simplesmente uma fábula extraordinária, você mais uma vez nos brinda com excelência. Parabéns.

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  7. MARCELO É UM GRANDE INTELECTUAL E PROFISSIONAL DO DIREITO,ESCREVE PARA ARREBENTAR

    SIMPLESMENTE FÃ!

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  8. Agradeço aos amigos pelos generosos ele
    elogios.

    TEIXEIRINHA, são lições que a natureza nos ensinam. Lembro-me de quantas vezes conversamos sobre essas coisas. Aprendi muito com você, que é um grande intelectual e ainda por cima humilde.

    NAILSON, como dizia o poeta Cazuza: "o tempo não pára...". Mas a vida nos deixa as lembranças. Também tenho saudades daquelas aulas, onde tanto aprendi.

    GILBERTO, é uma alegria imensa receber elogios do maior cordelista que já li: você.

    ADRIANO, valeu, estamos aqui aprendendo uns com os outros. Creio que Santa Cruz pode brilhar cada vez mais no cenário da literatura potiguar, basta que dediquemos um pouco do nosso tempo...

    ANÔNIMO, obrigado pelo incentivo.

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  9. Santa Cruz tem muitos blogs. Tem blog para todo tipo, mas tem um blog no qual comento agora que não é para todo tipo, mas sim para pessoas que sabem valorizar um bom texto, um trabalho qualificado da língua portuguesa, seja em verso, prosa, etc. Parabéns a Dr. Marcelo que a cada dia nos surpreende com seus textos e parabéns ao blog da APOESC que merece um reconhecimento formal do trabalho que presta.

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  10. Parabénss Dr.Marcelo!
    O senhor escreve como ninguém...seus textos são muito inteligentes,tive que reler rsrs para entender e fiquei encantado com a msg transmitida!

    João.

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  11. Parabéns,mano,pelo novo talento que desconhecia.Vc realmente escreve muito bem Fábula/Apológo,deve postar inúmeros outros nesse blog de excelência.

    Abraços.
    Lindonete Câmara

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  12. Meu amigo Marcelo, gostaria de homenagear o seu texto com a poesia Seleção Cultural. Espero que o Gilberto o encontre nas teias da internet para que todos possam devorá-lo. (rsrrsr)

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  13. Quanta honra, meu nobre amigo Marcos, ser homenageado com esse belo poema, um dos mais bem elaborados que já li. Muitíssimo grato!

    Marcelo Pinheiro.

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