RABISCANDO NO PERGAMINHO DO SERTÃO MÍTICO
No vaquejar do rebanho, o canto triste no gemido de uma toada. O solfejo de uma canção, saída do improvisar de um cantador solitário que ponteia velho pinho. Um aboio reboado, uma orquestra "vacum", serpenteia nas veredas os bichos de cascos lascados, soalheira em "sol a pino", rompendo o entrançado do caatingote fechado, na busca de escassas pastagens e, mais grave, na ânsia voraz de encontrar algum choradouro, e nele fundar cacimba. A sede maltrata, mata, faz banquete pra abutre...
Doutra feita, os comboieiros, a exemplo de velhos tropeiros, tocando burros no estalo do chicote, rompendo léguas tiranas, nos caminhos do "Cariri", "anecho" com o nosso Padrinho Cícero Romão, no Crato, Missão velha, Juazeiro, a tenda da romaria, onde encontravam a rapadura no frescor do fabrico, para encalacrarem em surrões de sola curtida, para o refrigério do sertanejo, nas plagas do Seridó. Homens bravos, penitentes, pagavam o dízimo ao Padrinho de quem eram devotos e, de novo na estrada, a enfrentarem a fome na burrarada, a sede que castigava, e o banzo naqueles ermos de desvalia.
Nessa travessia desértica, escutando o tilintar da campainha da burra guia, davam-se a tirar loas no quengo em soalheira, a declamar a gesta dos "Doze Pares de France", as façanhas de "Cancão de Fogo", o poema de Canhotinho sobre as enchentes de 1924, poema este com no mínimo entre vinte e a trinta minutos para declamar.
Naquele Sertão mítico, do desbravar com currais, o medo trazido pelas onças, pois, era um perigo iminente. A suçuarana, fustigava o rebanho bovino, os touros eram provocados todo tempo por esse felinos. Tinham estes a função de defender sua manada. Mas, foi o bicho homem, que teve de usar o clavinote, as zagaias aladas, o murrão, coadjuvados por cães comuns, mas treinados no enfrentar aquelas feras na escuridão das furnas. Nessa faina, sobressaíram-se "Miguelão das Marrecas", na Serra do Doutor, morador de Joaquim Teles, que sempre matou onça na propriedade de Manequim Pinheiro, nas serrarias de Santana do Matos; José Gomes em Cerro Corá. Porém, foi dos ermos antigos das Espinharas, entre Pombal e Serra Negra, no pé da "Serra do Tronco", onde tinha grande criatório, que reinou o mítico e valente "Cazuza Sátiro", considerado o maior deles. Tem-se notícias, que os Valões, no Sertão do Pajeú (PE), também foram grandes cabras onceiros.
Sertanejo é um enamorado da fartura, um bravo combatente nas secas. Nesses tempos ásperos, de salvar os animais, temos que abrir alas, para o papel dos "velhos tangerinos" dos Sertões do Seridó. Condutores do rebanho Vacum para as pontas de serras, onde nos anos "ruins", de magrém, caiam as salvadoras "chuvas de manga". Onde criavam um refrigério alimentar, para salvar as vacarias de toda as Ribeiras do Piancó, Espinharas e Piranhas. Tangerinos foram verdadeiros pastores na salvação do rebanho. Uma similaridade dos antigos pastores na península ibérica. Dosavam a permanência do rebanho naquelas faixas, conduziam o rebanho do amanhecer até as 10:00 horas da manhã. Ainda madrugada, começavam a levantar as rezes fracas para início da caminhada. As retiradas do Velho Marinheiro Saldanha, eram famosas e grandes. Geralmente, eram conduzidas, pelo meu avô, Eloi de Souza, Macaco, Egídio de Guilherme, Sebastião Camelo, Basto e Manoel Eloi, estes meus tios avós.
Essa crônica retrata a vida no sertão de forma poética. Somos envolvidos pelas palavras e sentimos a força dos vaqueiros e dos tangerinos que lutam bravamente contra as adversidades do clima e da natureza. Transporta-nos para um tempo e lugar não tão distantes e nos faz sentir parte dessa cultura rica e única. Uma homenagem aos homens e mulheres que trabalha(va)m com dedicação e amor dando vida e beleza ao sertão. - Gilberto Cardoso
ResponderExcluirPintando a alma a saga de minha freguesia, como assim o fez Leon Tolstoi.
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