terça-feira, 17 de setembro de 2024

A CARROÇA E O FOGUETE

 


A CARROÇA E O FOGUETE 

A folha em branco olhou para o escritor, que, por coincidência, também a observava. Para ela, a situação era confortável, pois não precisava de mais nada para ser o que sempre foi, diferente do escritor que precisava cumprir sua meta de transformar aquele espaço em literatura.

O leitor, impaciente, esperava algo interessante para continuar lendo. Alguém disse que aquele trio estava há muito interligado, e não era naquela manhã que a amizade deixaria de existir pelo simples fato do escritor estar cansado, o leitor entediado e a folha em branco... ah, essa nunca mudava sua postura de ser silenciosa e paciente. Ela esperava, na sua palidez costumeira, o momento para ser rascunhada, amassada e jogada fora.

O tempo passava enquanto a caneta perdia sua tinta em vão, e mesmo sujando a folha, essa continuava no branco das ideias, até que enfim os rascunhos foram expulsos pela própria folha, que já não aguentava mais ficar impassível diante de tanta sujeira. Vá fazer isso em outro lugar, gritou ela para o pobre escritor que nunca havia sido mandado embora. Mude de profissão, gritou mais uma vez a rebelde folha, tomando conta do filtro por onde passavam todas as palavras. Você passa, você não, e assim ela começava seu reinado.

Essa folha está estranha, disse o escritor para quem quisesse ouvir, só que naquele ambiente sem fotos nem vídeos, ninguém mais estava presente para ouvi-lo resmungar, pois estavam sim, sorrindo e passando o dedo na tela, em busca  de mais conteúdos. Seu reinado acabou, disse o celular. Agora o que vale são os vídeos coloridos e as fotos acompanhadas por trilhas sonoras, visando transformar o pensamento em algo leve, livre e solto.

O assíduo leitor estava acuado, pois era até criticado se abrisse um livro em público. Resolveu ir para as cavernas, levando velas para iluminá-lo na difícil tarefa de soletrar um pouco. Lá nas catacumbas, o frio o acompanhava, sem que ele percebesse que estava sendo empurrado em direção a mudanças de costumes. Ler já não era tão valorizado quanto antigamente, e ele dizia para o escritor: A que ponto chegamos. Somos caretas por querer viver das sobras de um tempo em que se escrevia e lia com avidez.

Um pássaro pousou na flor querendo beijá-la, e logo câmeras foram apontadas para registrar aquele beijo. Ninguém com caneta e papel se atreveu a fazer poesia do beijo costumeiro do beija-flor. Para quê anotar aquilo se uma foto bastava?, pensavam os internautas esperançosos pela imagem azul-esverdeada do bicho no contraste da rosa.

Ao fundo, uma cachoeira rodeada de verde trazia para os olhos um colírio, enquanto a tinta preta prejudicava a visão do míope que insistia em ler. O leitor continuava a exercitar seu prazer sem saber quem dizia o quê, tendo em vista que o escritor já nem sentia mais vontade de explicar quem era quem na narrativa. Ninguém está lendo mesmo, pensava o escritor numa performance suicida. Avaliava-se e se perguntava o porquê de estar insistindo com aquilo. Narrava e olhava as imagens conseguidas através do frame de arte que ele mesmo não podia deixar de consumir. Verdade fosse dita: era fantástico.

As palavras, que um dia foram suas companheiras constantes, agora pareciam distantes e quase alienígenas. Ele tentava desesperadamente recuperar a paixão pela escrita, mas se via cada vez mais atraído pela superficialidade das imagens e dos vídeos que preenchiam seus dias. Desiludido, começava a questionar o propósito de sua arte. O mundo havia mudado de tal forma que parecia não haver mais lugar para o esforço silencioso e meticuloso da escrita. Em vez disso, a narrativa visual e rápida dominava a atenção do público. Sentia-se um artista em um museu empoeirado, sem lugar no mundo acelerado e visual que se formava diante de seus olhos.

Procurava a experiência da escrita, e em sua solidão, percebeu que, embora os tempos mudassem, a essência da narrativa e o desejo de mergulhar em histórias profundas permaneciam dentro dele. Ele sabia que essa  experiência, por mais desafiadora que fosse, oferecia algo que nenhuma imagem ou vídeo poderia capturar completamente: o mergulho introspectivo e a conexão emocional única que se forma entre o escritor e o texto.

Heraldo Lins Marinho Dantas 
Natal/RN, 17.09.2024 - 06h36min.









sexta-feira, 13 de setembro de 2024

A NATUREZA EM CHAMAS - Lindonete Câmara

 



A natureza em chamas 


Apavorados com o fogo,

estamos sôfregos,

correndo das labaredas

altas e vermelhas

com íntimo medo,

expulsos de nossa casa

amada e tristemente acesa.


Clamamos por piedade,

nessa lástima queimada,

ao coração humano

tão frio e desumano

que nos devora vivos

num incêndio tingido,

insano e fingido.


Procuramos uma sombra

numa sofrida ronda

e uma gota d’água

não tóxica e sem nódoa

para nos refrescar

da dor que vai nos matar,

e só há cinza no ar.


Do livro PSICOVERSOS Inversos Sociais




quarta-feira, 28 de agosto de 2024

COMO É SIMPLES O COMPLICADO

 


COMO É SIMPLES O COMPLICADO


Iniciei os trabalhos há um mês. Todos os dias, uma única pedra de porcelanato está sendo assentada, milimetricamente verificada passo a passo, sem pressa e com o mesmo  gosto de uma guloseima preparada para um concurso gastronômico.


Primeiro, fiz uma pesquisa para saber os preços e depois uma ida ao quarto de despejo separar desempenadeira, prumo, nível e até os palitos de dente usados no ano passado que eu havia guardado para fazer o espaçamento entre uma pedra e outra. Um milímetro e meio, disse o vendedor, confirmando o que eu já sabia. 


Uma pedra por dia?, expressou-se com desdém um amigo que também sonha em seguir a carreira de pedreiro. Sim, mas eu faço com cuidado para não ter que arrancar depois por falta de alinhamento. Quem trabalha com isso sabe quão difícil é alcançar as quatro medidas de um serviço bem feito. 


A primeira pedra é a que merece mais atenção, e não é por acaso que ninguém quis atirá-la primeiro. Protetor auricular, máscara, luvas, só não estou adepto do capacete. Um calor infernal, porém o ganho é que consigo dormir sem interrupções, de tão cansado.


Depois que comecei a realizar meu sonho de ser pedreiro, fico criticando quem vai para a academia gastar energia em troca de nada e ainda paga por isso. A pessoa contrata uma faxineira, em vez dela mesma limpar a casa, lavar a louça ou misturar argamassa. 


No início, eu acordava com as mãos e braços formigando. Uma dor terrível indicava que o serviço era pesado para quem só digitava em sua rotina, todavia meti a cara e já estou quase terminando. 


Assisti que para não picotar a pedra no corte, basta inclinar a makita quarenta e cinco graus, mais ou menos, para o lado que vai aproveitar a peça. Fiz e deu certo, agora é fácil deixar sem rebarbas. 


Descobri que o formigamento nas mãos era devido ao esforço de preparar a argamassa. Com ideias garimpadas no YouTube, fiz um misturador caseiro e logo a dormência desapareceu.


Só trabalho na poeira durante a manhã. Depois do banho, vem o home office que eu tanto sonhava. No departamento de documentos, mandaram-me dar entrada neles de casa. Que sensacional!


O que seria da vida sem poeira, sem machucar os dedos, tossir reboco ou sentir medo que a pedra fique desnivelada? O que seria da vida se não existisse um vizinho a perguntar o porquê de tanto barulho ou um vendedor dizendo que não sou capaz de fazer o que faço? É melhor continuar ignorando os espinhos para refletir melhor sobre o que torna o dia perfeito. 


Heraldo Lins Marinho Dantas 

Natal/RN, 28.08.2014 - 14h16min.

BELOS POEMAS DE CLÁUDIA LUCAS CHÉU

         





Cláudia Lucas Chéu é uma poetisa, dramaturga e argumentista portuguesa. Sua obra poética marcada é por uma abordagem direta e muitas vezes crua, explorando temas como o corpo, a sexualidade, o poder e a violência, frequentemente utilizando uma linguagem desafiadora e experimental. Seus poemas costumam ser intensos, com uma forte presença de emoções e um olhar crítico sobre as relações humanas e as dinâmicas sociais. Sua capacidade de mesclar elementos poéticos com narrativas dramáticas a torna uma figura relevante na cena literária e artística de Portugal, conquistando leitores e espectadores que apreciam uma abordagem ousada e inovadora. Abaixo, um pouco do que ela publica no Facebook (https://www.facebook.com/claudia.l.cheu)


I


II

III



IV
V

VI
VII

VIII

IX

X
XI

XII


XIII












OBRAS DE CLÁUDIA LUCAS CHÉU





















sexta-feira, 23 de agosto de 2024

CANDEEIRO - Jeanne Araújo

 



Extraído do livro 


FICOU LINDO NO SEU PÉ!

 

FICOU LINDO NO SEU PÉ!

Dois sapatos. Sobre eles, um menino os usa para se aproximar do cavalo, morrendo com uma estaca no coração. Abutres a postos para o banquete das vísceras, pois o couro servirá para fabricar sapatos.

A cena se repete todo santo dia, mesmo com a chuva fina, como agora, percebida apenas pelos pequenos movimentos dos escassos pingos nas poças formadas por sapatos, botas, chinelos e pés descalços.

O mau cheiro toma conta dos casebres ao redor da fábrica de calçados. Ali, gerações compartilham o mesmo ofício, passado de mãe para filha, já que os pais debandam em busca de cachaça, drogas e brigas.

Naquele ambiente, a morte é testemunhada, corriqueiramente, por crianças com idade de brincar na lama. Seus carrinhos, puxados por barbantes, consistem em latas de leite em pó furadas no meio das tampas, encarrilhadas, até três, com arames entre os furos para não cortar o barbante.

Piolhos, bichos de pé e lombrigas são termos comuns no linguajar da comunidade. Neste momento, duas fileiras de meninas passam segurando um caixão de anjo, para ser sepultado ali mesmo, sem atestado de óbito ou padre autorizando a entrada no céu. O organizador desses eventos fúnebres é um jovem de fala mansa, trejeitos exagerados e roupas coloridas. Ele vai à frente, com uma cruz enfeitada de flores, cantando louvores para os santos da sua crença. Os meninos apenas observam, pois essa função é reservada às meninas e aos afeminados.

No descampado, que serve de campinho, muitos sapatos são atirados, fora do contexto da vida. Acertos de conta são feitos, provocando outros desacertos no discurso de que a vida é assim mesmo: quem perdeu, perdeu!

Amores existem de forma tracionada pelo desejo do orgasmo fácil. Entre as pernas das meninas, sacos plásticos esperando a primeira menstruação, ou  um casaco, menos quente, amarrado na cintura para despistar um possível desabrochar fora do banheiro de casa. 

A procissão para em frente à vala, cavada às pressas. Desnutrição é tão popular quanto comer barro, e o barro ingerido chega junto com o pequeno invólucro humano para se juntar à greta da mãe natureza. Quase automaticamente, depositam o corpinho no chão molhado, enterram e vão embora, como gatos.

Nos dias seguintes, uma pequena multidão acorda no mesmo horário para se formar em frente à fábrica. As conversas servem para dispersar os pensamentos sobre a vida dura que levam. O apito soa, os portões se abrem e se fecham, junto com sorrisos, por dez, doze horas.

Mais cavalos são mortos, mais couros processados, mais modelos criados. Meia hora de pausa para a marmita já fria, no horário que chamam de almoço. O alçapão, de pegar gente sem esperança, permanece pegando e largando pessoas do exército de reserva. O mesmo labutar entretém as jovens até que a visão não presta mais para acertar a linha na agulha. Nesse momento, são encostadas, como falam por lá. Algumas desaparecem, não se sabe como, bem antes da aposentadoria. Dizem que é o dono mandando matar, para não pagar indenização trabalhista.

As sobreviventes passam dias no barulho do chão da fábrica e noites agoniadas, pensando que não podem se atrasar. Descanso? Nem no domingo, dia de torcer para que um dos seus não acabe na vala, como tantos outros, depois do jogo e da aguardente liberada.

Engordam depois do primeiro filho, e permanecem na mesma proporção a cada um que nasce, fora do planejamento. É tão natural perder um filho que já nem serve mais como tema de conversa antes da abertura dos portões.

Dizem que vai haver demissão. Pronto, motivo para perder o sono. Só sabem fazer aquilo, e quando tentam aprender outra coisa, a cabeça dói, obrigando-as a voltar para a canga já amaciada pelo uso. Alguém tem que comprar, senão, adeus emprego.

Uma madame estaciona seu McLaren no shopping. Caminha até a loja e leva dois pares, para abarrotar ainda mais seu closet cheio, com centenas deles, sem querer saber um terço da história que cada sapato carrega.


Heraldo Lins Marinho Dantas 

Natal/RN, 24.08.2024 - 16h46min.


quarta-feira, 21 de agosto de 2024

AFINAÇÃO DE CONSCIÊNCIAS

 


AFINAÇÃO DE CONSCIÊNCIAS


Dalvanira. Encontrei-a em pleno pelo em uma praia de nudismo. A mesma com a qual, na adolescência, namorei. Será que poderíamos nos encontrar hoje à noite? “Si, si”, respondeu, dizendo que havia aprendido vários idiomas na sua trajetória pelo mundo.

À noite, fui ao hotel e a levei para a cabana. Tocamos violão e fizemos muitas coisas. Lá fora, estavam os outros dois por ela colecionados, esperando sua vez. Voltei para o fogo aceso na areia enquanto Dalvanira divertia-se. Ela sempre adorou compartilhar seus atrativos naturais, e naquela noite não seria diferente.

Logo cedo, partimos para as profundezas da mina de carvão, onde ela queria produzir, em si mesma, uma sensação claustrofóbica, seguindo a vontade de se sentir pesquisada. Desde muito cedo, ela defende que é impossível se conhecer totalmente, mas vale a pena continuar tentando. “Como vou saber como agirei sendo devorada por um tubarão se eu nunca me vi naquela situação?”, perguntava-se, imaginando aprimorar sua habilidade em se manter serena diante desses imprevistos.

Para muitos, o proceder dela tinha muito a ver com um ser desgarrado da própria vida, por que não dizer, uma suicida em potencial. Seu padrão comportamental estava em treinamento para nunca se aborrecer, ou pelo menos suportar as agruras da vida com serenidade.

Depois de esperar por um desmoronamento frustrado causado pelo terremoto previsto, saímos para navegar. Ela queria se ver soterrada, esperando ser salva com fome e machucada, mas nada disso aconteceu. Já em alto-mar, a bússola foi jogada fora para que o vento atuasse como senhor do seu destino, e de quebra, do meu também.

Estávamos a sós. Ela manejava as velas apenas para mantê-las intactas. Uma gaivota assustada pousou no convés. O barco balançava, juntamente com minhas dúvidas sobre como é possível caber tanta diversidade naquela cabeça aparentemente normal. Ficamos deitados vendo o filme do céu passar com suas nuvens no protagonismo. Tudo azul e branco, quebrado pelo preto da gaivota que teimava em pegar carona.

Do outro lado do oceano, muitos acontecimentos latentes estavam para acontecer, dizia ela, refletindo em voz alta sem me fitar. “Basta estarmos perto para sermos atraídos por eles.” Falava como se estivesse em transe, e eu apenas bebia na fonte daquela inteligência acima da média.

Quando demos por nós, batemos na areia de uma ilha longe das outras, parecendo que havíamos traspassado para outro planeta. Silêncio total, água parada, sem vento nos galhos despidos de folhas. Olhei ao redor, tentando acordar, mas já estava acordado. Era um realismo pouco convincente, parecendo uma tela pintada. Surgiu uma mulher negra, cabelos brancos, com ossos humanos amarrados na cintura, vindo em nossa direção. Desviei-me do primeiro golpe com o qual ela me atacou, porém do segundo, não. Caí, nem me lembro mais. Acordei perto do fogo, um caldeirão de barro fervendo e a mulher sendo cozinhada. Dalvanira cortava alguns temperos e jogava dentro do caldeirão. Comemos a velha, duas horas depois. “Eu precisava experimentar como é ser canibal”, disse ela ao se levantar para o barco, e eu fui atrás. Na ilha não ficou mais ninguém, pelo menos é o que aparentava.

Subimos a bordo. As velas haviam sido arrancadas a dentadas. Transitamos no porão sem muito o que fazer e, consequentemente, fizemos muito além da minha capacidade física. Acordamos com solavancos no barco. Corri escada acima, e estávamos sendo levados por baleias-azuis em direção ao desconhecido. Senti como se estivesse sendo os ponteiros das horas vivas do destino apressado, e se aquilo iria me levar à morte, já não importava. Perto dela, percebi que era o único lugar onde eu quisera estar toda minha vida. As baleias eram apenas detalhes que me fizeram ver quão vazia era minha existência longe de Dalvanira. Seus olhos apertados, como se estivessem com vergonha de olhar, fitavam-me, vez por vez, na alma, e isso me acalmava. Mesmo com o barco aos solavancos, era como se estivéssemos flutuando. Dessa vez, passamos por dentro de um vulcão em erupção, em pleno redemoinho marítimo. Água e fogo formavam um anel ao redor do nosso barco, espantando as baleias, e esse círculo na horizontal foi subindo até nos envolver, transformando-se em uma bola vermelha e azul, sem cair uma única gota d’água onde estávamos.

Percebi que o círculo era a Terra vista do seu núcleo. Paramos para um café. Uma senhora com duas xícaras e um bule disse: “Aqui sempre passam viajantes iguais a vocês, e minha tarefa é estar sempre pronta para servi-los.” Repousou as xícaras na mesa e nos fez sentar. Conversou sobre a origem da morte como se houvesse decorado o texto. Eu quis perguntar sobre o futuro, mas uma força estrangulava minha garganta. Ela explicou que essa sensação de estrangulamento acontece toda vez que o pensado não pode ser dito.

Ela continuava lendo meus pensamentos: “Tenha calma que daqui a pouco passa o velho recolhendo-os.” Dalvanira nada dizia, apenas sorria ou aparentava sorrir. Minha cabeça a mil por hora e o corpo a zero. Não tinha saída. O tilintar da colher de açúcar se fez ouvir na borda da xícara. Alguém se aproximou. “Quem é?”, perguntei-lhe. “É o velho que vai levá-los para a saída.” Ele tirou do bolso umas pedras e nos obrigou a correr de volta para a estrada. “Cadê o barco?” “Passaram-se milhões de anos”, respondeu Dalvanira. “O barco foi comido pelos cupins, a água transformou-se em areia e aqui estamos de volta para a praia de nudismo.”

Depois, ela me explicou que jamais pode compartilhar pensamentos transformados em realidade sem que o outro sobrevivesse. Foi a partir desse reencontro que passamos a morar juntos e, ultimamente, estamos viciados em gastar nosso tempo em viagens translógicas.


Heraldo Lins Marinho Dantas 

Natal/RN, 21.08.2024 - 10h44min.

terça-feira, 20 de agosto de 2024

TROVAS COM A PALAVRA AMOR - Tadeu Hagen



TROVAS DE TADEU HAGEN COM A PALAVRA AMOR 


UM intenso amor se fez

e nós DOIS, em nossas redes,

em breve seremos TRÊS

na paz de QUATRO paredes.


Nas mãos da tua inconstância,

o meu amor, sem querer,

foi carta sem importância

que tu rasgaste sem ler.


O amor de juras ardentes

nos traz, apesar da idade,

impulsos adolescentes

em plena maturidade!


O teu amor não passou

de um cheque falso, querida,

que o Destino apresentou

no saldo da minha vida.


Trata o amor com fantasia

para fazê-lo viver;

o amor que perde a magia

tem muito pouco a perder!...


O teu amor não passou

de um cheque falso, querida,

que o Destino apresentou

no saldo da minha vida.


Trata o amor com fantasia

para fazê-lo viver;

o amor que perde a magia

tem muito pouco a perder!...


Tu chegaste... e eu me comovo

ante o amor que ora bendigo.

Foi como se um rio novo

brotasse num leito antigo!


Sussurros à meia voz,

meia noite, à meia luz...

quando o amor brilha por nós,

o quarto inteiro reluz!


Solta as cordas do rancor

se queres a paz de volta.

Mais vale um laço de amor

do que mil nós de revolta.


Quis despertar teu ciúme

e hoje noto, em minha dor,

que, bem mais do que perfume,

eu desperdicei amor.


A saudade, às vezes, traz

contrastes deste teor:

vinho amargo que se faz

das uvas doces do amor.


Amor exige constância,

presença e continuidade;

quem tem amor à distância

mantém mais perto a saudade.


Conheci o amor maior

e, ao ver meu prazo finado,

duvido de um céu melhor

que o céu que eu tive ao seu lado.


Não lembro o amor que foi belo

e me esquivo da ansiedade

pois sempre perde o duelo

quem desafia a saudade.


Recordo a velha conquista

e pago, nesta ansiedade,

o amor à primeira vista

com prestações de saudade.


Não tive ao seu lado a sorte

que a um grande amor se destina.

Quem sonhou ser chuva forte

não foi além de neblina.


Da vitrine colorida

ao amor intransponível,

todo encanto em minha vida

tem sempre um quê de impossível!


Não li, tintim por tintim,

tua carta, por supor,

antes de chegar ao fim,

que era o fim do nosso amor.


Ao cordão tão perecível,

o amor de mãe acrescenta

uma corrente invisível

que força alguma arrebenta.


No amor não quero confronto,

me acovardo e, conformista,

altero, ponto por ponto,

meus velhos pontos de vista.


É nossa união perfeita

magia para os ateus;

se este amor for “coisa feita”,

foi coisa feita por Deus!


Teu amor é minha crença,

meu princípio, meio e fim

e, sem a tua presença,

sinto falta até de mim!



Merece este amor perfeito

desvelos de passarinho

que arranca as penas do peito

para aquecer o seu ninho.


Na minha vida de dor

nunca tive a liberdade:

Ontem – escravo do amor...

Hoje – refém da saudade...


Prometo estrelas... e é bom

não duvidar do que é dito;

seu amor me trouxe o dom

de pôr a mão no Infinito!


Sou pobre e mal me mantenho

mas, no amor que me ofereces,

tiro do nada que eu tenho

o tudo que tu mereces!


Sem o amor, que é minha crença,

sigo a trilha dos sozinhos

e já nem faz diferença

pisar flores ou espinhos!


Eu queimei todas as trovas

sobre o nosso amor risonho

para não guardar as provas

do assassinato de um sonho.


O amor de infância desfeito

merecia outro destino:

morreu num verso mal feito

que escrevi quando menino.


Que vale o despertador,

com sua sirene vã,

se as manhas do meu amor

me atrasam toda manhã?!


O amor que eu julgava infindo

de um triste fim se aproxima.

Que pena! Um verso tão lindo

e eu não encontrei a rima!...


Do amor que me fez chorar

vivo a fugir, com firmeza,

pois quem não sabe nadar

não se atira à correnteza.


Perdão algum tem valor

sem ter o amor por razão;

somente a força do amor

pode dar força ao perdão!


Leito seco por completo,

choro o amor que se perdeu

quando o mar do teu afeto

não quis o rio do meu.


No instante em que ela voltou,

retomando o amor perdido,

seu perdão cicatrizou

o meu orgulho ferido.


Sem que aceites as delícias

do amor, por caprichos vãos,

a mais doce das carícias

envelhece em minhas mãos!


Não me fazem sofredor

meus deslizes de mãos puras:

fiz loucuras por amor...

por amor... não são loucuras!


O amor nos faz esperar

em vigília permanente,

porque costuma chegar,

quase sempre, de repente!


Só porque não houve um templo,

um véu, um terno, um altar

batizam de mau exemplo

este amor tão exemplar.


Ser seu amigo é um valor

que, para mim, não compensa.

Para quem deseja o amor,

a amizade é quase ofensa!


Teu ciúme arrasador

é que amarga a minha vida.

Quem tem dúvidas de amor

não ama... apenas duvida.


Em nosso amor o pior

foi que o teu perdão sonhado

era um número menor

e não coube em meu pecado.


Quando o amor me contagia,

tem meu peito apaixonado

a animação e a alegria

de um parque no feriado!


No palco dos fracassados,

nós somos, em nossa dor,

artistas despreparados

vivendo um drama de amor!


Se os assuntos se definem,

eu te fito, sonhador,

para que os olhos terminem

nossa conversa de amor!


Enlevo é aquele desvelo

de com carinho ajeitar

cada trança do cabelo

pra o meu amor destrançar.


Lembrando o amor que a iludia,

minh’alma, feliz, revive...

Eu sei que foi fantasia

porém foi tudo o que eu tive!


Não lembro o amor que foi belo

para não sofrer dobrado,

pois sempre perde o duelo

quem desafia o passado!


Minha razão combalida

não consegue mais se impor:

perdi o pulso da vida

seguindo impulsos de amor!


Tenho vivido ao sabor

dos rumos de um vento incerto

que, em constância, o seu amor

lembra as dunas de um deserto.


Quem mergulha na paixão

não se afoga em águas rasas.

O amor que nos tira o chão

é capaz de nos dar asas.


Você senhora... eu senhor

e uma existência perdida.

O resgate de um amor,

às vezes, custa uma vida.


Do nosso amor que morreu

nós fomos, sem perceber,

elos que a vida rompeu

pelo prazer de romper.


Uma paixão com fervor

não se oculta facilmente

porque mistérios de amor

vazam dos olhos da gente.


O nosso amor foi somente

simples prefácio bonito

de um livro que, infelizmente,

não chegou a ser escrito.


A saudade, em minha face,

insiste em querer mostrar

que, por mais que o tempo passe,

este amor não vai passar.


Eu vejo nesses fedelhos

que esmolam amor profundo

o futuro de joelhos

pedindo uma chance ao mundo.


Eu te imploro, por favor,

não insistas neste adeus...

Se não for por meu amor,

fica pelo amor de Deus!




Trovas extraídas do livro RETRATOS 4X7, contemplado com o TROFÉU LUIZ OTÁVIO, pela Ube Rio de Janeiro, em 1° LUGAR. 


sábado, 17 de agosto de 2024

PARA TODO LUCRO, HÁ UM LUTO



 PARA TODO LUCRO, HÁ UM LUTO


Um urso. Mais abaixo, uma cabra com seu filhote, contando apenas com a gravidade como aliada naquele ambiente de pedregulhos escorregadios. A fome bota abaixo qualquer capacidade de empatia, e o urso analisa a melhor estratégia para o ataque.

Para o homem que registra aquele momento, o verde da vegetação e o vento no rosto deixam-lhe tranquilo. Para quem assiste ao vídeo, há um ar-condicionado ligado, uma cama confortável e muito desprezo quanto ao resultado final.

O besouro, que está perto do urso, diz para si mesmo: "Eu não tenho nenhuma responsabilidade quanto a isso. Se ele errar, morre da queda e eu, olhem eu aqui, nunca tive medo de altura". Ninguém quer saber do besouro, mas toda vez que ele pode, tenta roubar a cena.

O borrego, encostado na mãe, espera que ela o guie para a salvação. A carne do filhote e a pele macias são petisco para um urso enorme, e o borrego está aprendendo que aquele bicho pardo, a poucos metros acima deles, é um inimigo mortal. Treme de medo, analisando qual seria a sensação de ser devorado sem anestesia.

A mãe lhe oferece: "Quer um pouco de picado no almoço?", pergunta a do garoto que está assistindo ao vídeo. "Não, odeio picado! Se fosse hambúrguer, eu queria", responde o menino com uma cirurgia para acontecer assim que as veias do coração entupirem de tanta massa ingerida.

Voltemos para o urso. "Deixem-me em paz", resmunga ele descendo de costas. "Estou querendo saciar minha fome, e vocês me fazendo de vilão", reclama o urso ao mesmo tempo que o besouro pede para ser o personagem central desta trama.

Suas garras foram aperfeiçoadas para rasgar carne... "Quais garras? As do urso ou do besouro?" "As minhas", grita o urso vendo que, se não fizer nada, o foco vai para o besouro. "Anda logo, urso de uma figa!" "Calma aí, pessoal, aqui onde estou não tem rede de proteção. Se a mãe do menino me desse o picado, eu desistiria dessa caçada." "Vá trabalhar, seu urso preguiçoso." "É isso que estou tentando fazer", responde o urso com raiva por ter sido chamado de preguiçoso. "Meu marido acorda às cinco da manhã, pega um busão e só volta às dez da noite, e você quer que eu lhe dê picado de graça?" "E se eu escorregar nesse penhasco?" "Azar o seu e sorte para as presas."

A cabra bate com a pata dianteira no chão, desafiando o carnívoro para descer um pouco mais. Ela sabe que as garras do urso não foram feitas para escaladas arriscadas como aquela, por isso aposta em um escorregão pelo penhasco. Mesmo desafiando-o, ela está receosa de sofrer mordidas de 540 kgf, quatro vezes mais potente do que a do cinegrafista que ali está. "Use a minha mordida como referência", grita o besouro que, a pedido dos leitores, é comido pelo urso.

Lá embaixo, há um lago cheio de crocodilos. Caso caia, irá fazer uma visita forçada aos estômagos dos jacarés. Por falar nisso, o estômago do urso ronca, pedindo pressa. Ele atende ao comando e se arrisca.

"Risque o urso da lista dos vivos", ordena São Pedro ao anjo Gabriel, responsável por dar baixa em ursos devorados por crocodilos.

 

Heraldo Lins Marinho Dantas 

Natal/RN, 14.08.2024 - 06h18min.

quinta-feira, 15 de agosto de 2024

CHICO BUARQUE: VOZ E ALMA DO BRASIL

 


Tão indefinido quanto a poesia e, ao mesmo tempo, tão embevecedor é o nosso brasileiro, Chico Buarque de Holanda! Versado nas artes: músico, cantor, compositor, escritor, um cidadão. Em sua completude artística e cidadã, transita por múltiplos espaços, deixando marcas e significados no tempo. A força estética de suas composições, ora sutil, ora vivaz, revela uma criatividade expressiva absurda e indescritível. Esse artista multifacetado empresta-nos uma definição aproximada de si mesmo: “O ator se transforma em mil personagens para poder ser mil vezes ele mesmo” (Budapeste – Livro de Chico). Sua arte, assim como a música popular brasileira como um todo, com suas canções e melodias, transcende a matéria e, num bailado de ritmos, afaga a mente, constrói sentimentos, adentra os poros, enebria a alma. Um oxigênio para além dos pulmões.

“Olhos nos olhos, quero ver o que você diz.” Diante da arte, faltam-nos palavras para expressar a intensidade da admiração! O aplauso, quiçá acompanhado de reverências, consiga revelar os sentimentos contidos. “Oh, pedaço de mim, oh, metade exilada de mim.” Chico é esse pedaço exilado da essência feminina, que, com a sua generosidade, descreve de forma tão singular o mundo de sonhos, desejos, anseios, frustrações, buscas, amores, desamores, paixões, começos, partidas, esperanças e desilusões que habitam o universo feminino. “Eu sei como pisar no coração de uma mulher” (Chico César). Chico Buarque sabe como mergulhar nas zonas abissais de uma mulher. Desvendar a alma feminina deve ser característica própria dos Chicos! Que cada mulher, “Teresinha”, consiga, da forma mais autêntica possível, viver seus amores e ser tratada como mulher.

Pablo Milanés, artista cubano, compôs “Yolanda”, belíssima canção, para sua então amada Yolanda Benet. Chico, parceiro e admirador seu, sabiamente traduziu esse amor e lindamente nos tornou eternamente Yolandas. “Te amo, te amo, eternamente te amo.” Definitivamente, esse é um caso de amor de mão dupla.

A poesia de Chico vai nos sedimentando de um eu lírico, uma verdadeira “Construção”, palavra por palavra, gesto, forma, e assim, transporta-nos para palácios como se fôssemos príncipes. Suas composições são como janelas que se abrem com milhares de possibilidades contemplativas e também reflexivas. Num recorte de sua obra, destacam-se as canções de protesto:

“De muito gorda a porca já não anda (cálice) / De muito usada a faca já não corta / Como é difícil, pai (pai), abrir a porta (cálice) / Essa palavra presa na garganta.”

Professemos: que haja sempre uma banda a passar cantando coisas de amor. “Tem pouquíssimas coisas que nos permitem, subjetivamente, mudar tanto quanto o amor” (Contardo Calligaris). Que o amor continue distraindo as moças tristes, a gente sofrida, abrindo rosas fechadas! Que eu seja sua menina e você o meu rapaz, que todos os machucões sejam de barbas mal feitas, que todos os arrepios de pele sejam de bocas beijadas, que todos os beijos sejam calmos e profundos, que todas as almas se sintam saciadas. Que as poesias de Chico continuem roubando nossos sentidos. Para ele, “com açúcar e com afeto”, todos os vivas!

segunda-feira, 12 de agosto de 2024

PRIMEIRO ENCONTRO DE CULTURA POP(ULAR) DO TRAIRI

 


Tudo de graça, com graça
e muito amor preparado.
Seja criança ou adulto,
Para o evento é convidado.
Decerto será legal
Conhecer o Memorial
João Pinheiro do Chapado.

Gilberto Cardoso dos Santos


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Localização: Memorial João Pinheiro (do Chapado). Rua Professora Palmira Barbosa, 146, bairro Miguel Pereira Maia - por trás da torre da Rádio Santa Cruz