terça-feira, 30 de abril de 2024

FRAGMENTOS

 


FRAGMENTOS 


Um dedo polegar encosta no outro enquanto o cursor pisca parado há meia hora. A barriga sobe embalada por um respirar silencioso na cama quente feita de palha. A angústia se apodera dele. Frases curtas ajudam a descer mais um degrau na página que vai se enchendo de abre boca sonolento. É prosa ou poesia? Finge que não escuta a ironia. 


Opa! Acordou do cochilo. Lá está o serviço para ser feito. Lembra-se do pesadelo do cão preso na boca do outro. São lembranças que pouco modificam a forma de pensar ateniense. O que diria Sócrates ao ver a disputa animal? Prossegue por séculos essa peleja sem que precise ser ensinada. A luta é tão natural quanto o sexo. Será que é pré-requisito para que um possa exercer o outro? É fácil fazer perguntas. Quem as faz já sabe a metade. Parou!


A escuridão no silêncio da noite não deixa sons soltos. O próprio ouvido escuta as células ciliadas se acalmando. Muito barulho há produzido pelo bombear do sangue. A acústica corporal é perfeita, salvo quando no exterior. 


Todos agora somos nativos do globo. Onde você quer chegar com essas divagações? Não há onde chegar. Tudo é dinâmico no corredor do trem-tempo. Uns mais rápidos, outros nem tanto. A ilusão de fazer filhos para serem engolidos pela morte do mesmo jeito que você será embalsamado  numa caixa fechada por pregos, enfeitada com desenhos talhados, e, do outro lado do vidro, você indiferente aos pesares que desfilam nos olhos enxugados por véu preto. 


Volta a bater na tecla da inutilidade de se viver. Por que será que é crime estimular o suicídio? O estado não sobrevive sem o exército de desgraçados trabalhando para manter os doutores em seus gabinetes. Os sem-teto servem de exemplo para acalmar os insatisfeitos. Prefere viver na escravidão branca ou ao relento?


Acorde para colocar a canga de trabalhador! Vá para a greve fazer de conta que o aumento salarial vale alguma coisa, a não ser sua capacidade de devolver o dinheiro mais vultoso para o fabricante assim como a água corre para o mar. Ele precisa também fazer seu pequeno Estado em forma de associação, condomínio... afinal de contas é preciso barrar alguém no exercício do poder. São formas de agir fragmentados que o ajudam a esquecer o quão inútil é. Se assim é, escrever torna-se também, e, consequentemente, a leitura acompanha esse mesmo padrão.


Você não está se preocupando em montar uma sequência lógica da narrativa. Não precisa, tudo vai para o lixo. O lixão dos humanos recebe o nome de cemitério. Garrafas pets vazias de ideias desmanchando-se e entregando à natureza tudo que dela foi roubado. Minerais, água, sorrisos, choros tudo tudo vai ser devolvido com juros em forma de dor. Isso está ficando tenebroso. É para ser assim mesmo. Não adianta mascarar a realidade com selfies ensaiadas por sorrisos retocados. Isto aqui chama-se realidade. A alegria, qualquer que seja ela, é puríssima ilusão. A criança sapeca de hoje vai estar amanhã com a cabeça raspada pelo câncer. Não se iluda, imbecil. Sua vaidade também vai presa no sepulcro como qualquer simplicidade. Seu conhecimento ou habilidade no dizer, nada valem diante da morte. Viva ela!


Heraldo Lins Marinho Dantas 

Natal/RN, 30.04.2024 - 05h23.

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