MÃE DAS ILUSÕES
Dia de domingo. O sol resolveu dar as caras nas roupas do varal. Um homem deitado no quarto ao lado da mulher da outra cama que ainda ressona às nove horas da manhã. O que estará sonhando?
Uma dorzinha de cabeça e o dedo indicador tremendo com ressaca do sábado estirado, fazem-lhe companhia. Ah!, que saudoso sábado de saudades boas. O que andam preparando as próximas horas para ele que anda sem planos? Não quer ficar ao léu.
A parede branca mostra o caminho branco da memória. Que bom é ficar estacionado no pensamento sem compromisso nem em se alimentar, mesmo o corpo pedindo nutrição. O desejo permanece deitado esperando não se sabe o quê.
Ah, hoje é dia das mães. Daquele útero ressonante não saiu nenhum parabéns, nem sequer um adotivo. Um presente anônimo chega nas mãos do entregador que pouca notícia dá do mandante, ou da mandante. Será que está envenenado? Ela já fora vítima da maçã da bruxa, uma vez que o mundo todo sabe que ela come sem cheirar a procedência quando ocupada com o espelho de bela adormecida. Não tinha tempo de desmanchar os compromissos com a beleza para expulsar um ser das suas entranhas.
Desata o nó do presente. Rasga, sem nenhuma etiqueta, as etiquetas do endereço. Doces para a vovozinha dos netos agregados. Não, não era para ela. O entregador errou. Não se lembra onde jogou a embalagem para devolver o que nunca vai lhe pertencer. Arruma a devolução num saco de compras qualquer. Não se preocupa em abrir a porta do aqui está e muito obrigado e desculpe-me, pois já valeu a intenção de ser querida por alguém que existe somente na sensação de ter sido mãe por engano.
Heraldo Lins Marinho Dantas
Natal/RN, 12.05.2024 - 10h39min.
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