PEGADAS DE LEITURA
Volta e meia, olho para as palavras e tenho vontade de ir para o mar, entretanto minhas condições só dão para navegar nos romances. É barato ler. Uma página me poupa algumas pratas. Em vez de estar gastando à toa, fico economizando nos contos, poemas etc. Meus brinquedos são os livros velhos, sem capa, amarelados, que reli um montão de vezes, sofrendo do mesmo jeito como se estivesse presente. Seria bom se não precisássemos de problemas humanos; porém, para que isso acontecesse, teríamos que matar a curiosidade.
Minha meta era ler duzentas páginas por dia. Com o passar dos anos, contento-me com um parágrafo. A compreensão tornou-se sedimentada. Mato charadas, esfolo ideias, compreendo os personagens construídos pelo romancista, contudo não consigo apagá-los da minha memória. As cenas imaginadas pelo autor voltam na calada do sono. É como se a história estivesse sendo reeditada pelo meu inconsciente, que coloca imagens armazenadas de acordo com a minha vivência.
Recentemente, perguntaram-me onde estive, e respondi: na floresta das letras, onde há Veredas e Grande Sertão. Comparo cada frase a um animal que salta do escuro a me encarar, por isso ando com cuidado, pisando na pontuação e guiado apenas pela lanterna da intuição. Muitas vezes, dá trabalho sair da sombra das dúvidas.
Há dias em que fecho o livro com a sensação de ter vivido uma vida inteira em poucas páginas. Com o tempo, aprendi que ler é me identificar com personagens que carregam partes de mim que eu ainda não conhecia. Cada parágrafo desce em corredeira, arrastando emoções que eu julgava adormecidas. Uma simples vírgula tem o mesmo significado de uma pegada na trilha, fazendo-me descobrir que há autores que me observam enquanto eu os leio, desnudando pensamentos que evito confessar.
Algumas páginas me ensinaram mais do que anos de conversa com gente viva, porque ali, no íntimo das palavras escritas, há uma honestidade que o mundo não oferece. Leio para me ver e lembrar quem sou, quem fui, quem não quero ser. Não restam dúvidas de que, enquanto houver literatura, ainda haverá salvação.
Heraldo Lins Marinho Dantas
Natal/RN, 09.07.2025 – 08h44min.
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