segunda-feira, 7 de julho de 2025

ERA PÓS-HUMANA

 




ERA PÓS-HUMANA

Hoje, consegui comprar a tão sonhada perspectiva da imortalidade. Chamaram-me de louco quando eu disse que bastava investirmos em biotecnologia, inteligência artificial e medicina regenerativa para conseguirmos estender a vida humana por séculos.

Microchips implantados no meu corpo monitoram minhas funções vitais, administram medicamentos e diagnosticam doenças de forma precoce, interagindo com minhas células, tecidos e até com o sistema nervoso central.

Esses sensores agem como reparadores internos. Eles identificaram o início de um câncer na minha próstata, e o combateram antes mesmo de ele se manifestar. Nem de continência urinária eu sofri.

Antes de implantar alguns microchips no meu sistema nervoso central, eu vivia esquecendo experiências que tinha vivenciado no dia anterior. Início de Alzheimer foi o diagnóstico que certo dia surgiu na tela, porém, de imediato, foram expressas, em letras garrafais, as possíveis formas de curá-lo. Meus médicos seguiram à risca os procedimentos mostrados pela inteligência artificial, e aqui estou eu.

Em todo meu corpo, utilizo a nanotecnologia para manter o sistema permanentemente monitorado e corrigido. Antigamente, só se conseguia fazer isso com os automóveis; contudo, é esse mesmo sistema, com algumas modificações, que utilizo. Atualmente, eu pago um plano de tempo real, ou seja, é um plano parecido com o plano de saúde tão popular no passado, e é esse plano que me mantém informado sobre qual alimento devo ingerir, quando tenho que dormir etc. No momento em que o chip detecta que devo expulsar o excesso de espermatozoides do meu sistema reprodutor, um comando é disparado, tornando-me apto a fazer amor.

Conto com algoritmos sofisticadíssimos para prever falhas orgânicas antes mesmo que aconteçam, oferecendo soluções personalizadas em tempo real. Em casos complexos, como por exemplo o meu câncer, a IA propôs estratégias mais eficazes do que as disponíveis nos modelos tradicionais.

Já troquei meu coração por um de titânio, e isso me fez ganhar a última maratona. Claro que conto com um pulmão fabricado em uma impressora 3D, utilizando células-tronco como matéria-prima, mas vale salientar que minha inscrição na Olimpíada teve o aval do Comitê Olímpico. 

Pessoas híbridas já são uma realidade neste século. Depois de amanhã, vou trocar meus rins. Falta só a cirurgia implantadora, pois eles já foram produzidos e eu nem precisei entrar em fila de espera, nem estou preocupado com os riscos de rejeição, já que foram fabricados com o meu próprio DNA. 

Posso ser chamado de transumano, que não tô nem aí. Minhas partes biológicas interagem muito bem com os componentes artificiais, que são muito mais resistentes às doenças e ao envelhecimento do que os totalmente naturais.

No meu caso, não se fala mais em tratamento médico, e sim em manutenção corporal. Pena que meus pais não puderam alcançar essa tecnologia. Tentei reverter o envelhecimento celular deles por meio de terapias genéticas e regenerativas; todavia, ainda não podíamos contar com o avanço da ciência integrada com IA, que, juntas, previnem falhas biológicas e realizam transplantes de acordo com as necessidades, além de potencializar a regeneração celular contínua. Diante dessa minha realidade, eu passei a ser chamado de plataforma atualizada.

O bom de tudo isso é que me mantenho com uma aparência de vinte aninhos, apesar de contar com mais de um século de idade. Posso beber, farrear, passar sono etc., sem me preocupar com o desgaste celular. Faço a reposição das células diariamente, e o que antes precisava de três meses entre a morte de uma célula e o nascimento de outra, hoje bastam três minutos, o que melhora bastante minha qualidade de vida. Um corte na mão, igual ao que aconteceu na semana passada, demorou só o tempo de eu ligar a máquina e transferir as células armazenadas que mantenho em estoque para essas emergências.

Já fiz upload da mente. Todas as minhas memórias estão salvas e prontas para serem replicadas em mentes jovens. Estou comercializando minha capacidade criativa, e ontem mesmo consegui faturar milhões com transferências realizadas para um banco de talentos. Compraram minhas experiências e vão revendê-las a preço disputado na bolsa das redes neurais.

Todas as questões éticas também já foram superadas. Quem tem acesso à imortalidade? Eu. Isso é um privilégio de poucos ou um direito universal? Não quero cansar meus neurônios com discussões desse tipo. O importante é que estou vivendo sem me preocupar com a morte, e assim todas as minhas angústias sumiram como por encanto. Casei várias vezes e fui ao enterro de todas as minhas ex-esposas, que morreram de velhice. Posso ser comparado ao romance O Retrato de Dorian Gray, com a diferença de que sou real.


Heraldo Lins Marinho Dantas
Natal/RN, 06.07.2025 - 09h27min.










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