O SOM DA SOLIDÃO
Vim para o sítio em busca de sossego, porém as galinhas cacarejando, chocalhos batendo e zurros de hora em hora fizeram-me sentir saudade de canos de escape pipocando. Quando minha sogra varria o terreiro com disciplina quase militar, essas galinhas não sujavam o alpendre. Agora, o chão vive coberto de penas, milho espalhado e fezes secando ao sol.
Hoje, percebo que o silêncio que eu idealizava era, na verdade, um cenário montado pela lembrança seletiva da memória. O sossego do sítio é barulhento à sua maneira, e a desordem das galinhas reflete a ausência daquela mulher com vassoura firme nas mãos e um chicote no ombro. Sem ela, o terreiro perdeu seu ritmo, e eu, minha ilusão de tranquilidade.
Quanta saudade sinto do café coando antes do sol subir. Hoje, os sons são outros. Sento no alpendre e percebo que, sem os que se foram, o sítio virou uma moldura sem quadro.
Eu sempre vinha aos domingos olhar o açude sangrar. Aquele verde acima do joelho, fez-me comprar botas compridas. Cobras passeavam pelos nossos pés que dava medo ir além da porteira. Metade da casa de Maria Bombaca foi ao chão. Abandonada, já não precisa de chave nem fechadura levada pelos mais necessitados.
O mato tomou conta do quintal onde antes havia roseiras, e o vento agora assovia nas memórias de um tempo que se desmancha no barro rachado do açude. As goiabeiras morreram e ninguém mais plantou coqueirais. Olho para aquilo tudo e relembro Antônio Tripa na garupa do jumento com barris indo buscar água no açude. Suas brigas de boca com Wilson são memoráveis. A primeira vez que vi Antônio, tive um baita susto. Parecia um homem das cavernas. Seu queixo saliente, cabelos desgrenhados, andar puxando uma perna e uma boca enorme sem dentes deixava passar palavrões que ecoavam na serra. O sangue daquele rosto chupado parecia saltar quando avistava seu rival passeando do outro lado da cerca. Seus olhos rodeados de olheiras, davam a impressão de uma banqueta cavada no minério de ferro com água cristalina ao fundo.
- Não abandonem Antônio, dizia tia Tereza antes de partir, vítima de pressão alta. Antônio morreu cego e mijado em um quartinho na casa de Ozir, sem nenhum controle sobre sua micção.
Outro dia, encontrei no galpão uma sela velha coberta de pó e cupim. Chutei. Pensei em levar para a cidade, restaurar, dar algum uso, mas logo vi que aquilo pertencia a outro mundo.
De noite, o breu é tão espesso que parece ter peso. As lamparinas queimam mais mosquitos do que iluminam, e o barulho das rãs toma conta do silêncio. Ouço passos no terreiro, madeira rangendo, algum sussurro vindo da casa vazia de Maria Bombaca, mas sei que é só a cabeça pregando peça. Aqui, a solidão fala tão alto que qualquer sombra vira uma boa companhia.
Heraldo Lins Marinho Dantas
Natal/RN, 06.08.2025 - 16h41min.
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