CARDÁPIO TRÁGICO

 

CARDÁPIO TRÁGICO

Cada vez mais está difícil matar a fome sem matar o homem. Leite, nem pensar. É a segunda substância que mais mata perdendo apenas para o refrigerante, segundo os especialistas. 

Lembro-me quando assisti uma palestra de uma nutricionista em que ela condenou, dentre vários produtos, também ele, o leite. Cheguei em casa chamando-a de mentirosa. Aquilo é que é uma mulher para mentir, eu disse até com um pouco de raiva por, desde menino, ter o costume de bebê-lo no curral. Muita gente agora está dizendo que é porque os adultos não temos uma substância chamada lactase para digeri-lo, por isso faz mal. 

Dizem ainda que refrigerante destrói os ossos, assim como a cerveja e derivados de trigo criam gordura no abdômen causadora de infarto, mas nunca vi um enterro de Papai Noel, não significando dizer que barriga grande não mata, vai depender de qual altura que o barrigudo cai em cima da vítima. 

Daqui a pouco vão faltar opções, pois se o leite faz mal podemos dizer que todo produto fabricado com ele também leva pro buraco. Vai ser o jeito a se alimentar de sol e vento. Feijão dá gases apesar de juntamente com arroz e carne suprirem dezoito das vinte substâncias que precisamos para manter o corpo funcionando adequadamente.

Diante dessa escassez, tentei outras frutas vindas de longe comprando até cupuaçu para experimentar. Tive que olhar vídeos como se consumia para aprender, mas logo deixei pra lá por precisar misturar muito açúcar na hora de consumi-lo. 

Açúcar desenvolve o diabetes, pula outra explicação já se tornando popular. Sal, pressão alta. Café também não é aconselhável por inibir o sono. E aí? O que é que nos resta? Corre-se para os enlatados com conservantes prensados nos fast-food e muitas vezes nem há preocupação que na próxima esquina se caia ciscando. Se não tem escapatória, pelo menos morro de barriga cheia, dizem os despreocupados com a dieta. 

Nós somos um laboratório de reações químicas ambulante. De acordo com as substâncias que são misturadas ao nosso sangue é que se define em qual estágio a pessoa se encontra na fila dos doentes. O sono é o primeiro que se perde, mas não é só ingerindo algo fora do aconselhável que ocorre um reflexo nos olhos. Eles permanecem abertos pelo consumo exagerado de maus pensamentos. Como atualmente há muita criminalidade, constatou-se que o homem contemporâneo dorme menos do que seus ancestrais que não conheciam o fogo. Não sei como chegaram a essa conclusão, pois ninguém foi ao passado investigar isso, a não ser que a máquina do tempo já tenha sido inventada e não me disseram. 

Mas a verdade é que procuramos todo tipo de assuntos para justificar que fulano só morreu porque fez isso ou aquilo. Ninguém aceita que se tenha câncer de pulmão sem ter fumado. Ela não fumava, mas adorava colocar veneno nas muriçocas e se trancava no quarto respirando aquela mistura tóxica, disse-me uma filha que teve sua mãe vítima dessa doença.  

São as desculpas para que se possa aceitar a morte. Coisa que ninguém até hoje não suporta é ver alguém que se ama partir para a cidade dos pés juntos, e as justificativas se multiplicam com o passar dos anos.

Agora o vilão é o trigo. Antes era o ovo, mas depois que os criadores de galinhas investiram pesado em desmentir essa teoria, o ovo agora é saudável. Quem não achou muito bom foram as galinhas, pois disseram que agora vivem com as partes assadas de tanto serem forçadas a pô-los. Tem até um vídeo engraçado onde uma turma de cientistas se reúne para definir qual alimento irão dizer que está fazendo mal, e logo após o anúncio as vendas despencam, e mais depois ainda, são pagos para dizerem o contrário e assim é um engole cospe, cospe-engole que não tem fim. 

Uma pessoa, que não preciso dizer o nome, tinha uma padaria e fabricava um só tipo de pão. Na embalagem ele distinguia as etiquetas dos diet. Os clientes olhavam e escolhiam o mais caro, diet, sendo que era o mesmo vendido sem etiqueta. Quem vai saber o que está ali dentro?, dizia ele com um sorriso dissimulado e o bolso cada vez mais estufado do dinheiro sobrando das informações produzidas pela ciência que muitas vezes nem é tão exata quanto acreditamos ser.

Heraldo Lins Marinho Dantas

Natal/RN, 03.06.2023 – 17h53min.