sexta-feira, 17 de março de 2023

O MOINHO DO TEMPO - Heraldo Lins



O MOINHO DO TEMPO


Espero o "consertador" do chuveiro, e nessa espera me acompanha o desconforto da ansiedade. O nariz não dói, mas escorre e espirra. Deve ter sido porque resolvi extrair os cabelos que teimam em crescer sem a minha permissão. Enquanto penso, encontro um toco de unha chamando minha atenção sem que eu me lembre de ter roído. 

O alarme toca para que eu volte ao banheiro e retire o xampu contra coceira. Enquanto o mundo está disparado, continuo me preocupando com minhas eternas caspas. Já fui aos dermatologistas e acho que é catimbó. Só pode ser. Minha vontade é arrancar o tampo da cabeça com uma serra elétrica. É por isso que o destino das pessoas está, proporcionalmente, ligado ao grau de coceira que ela sente. 

O técnico "chuveirento "chega anunciado pelo interfone. Quando ligo o misturador o fogo apaga. Eu não mexo com aquecedor a gás, não. O senhor pediu o conserto para chuveiro elétrico, e esse eu nem sei usar.  Rapaz, foi mal. Desculpe aí! Tudo bem! vou só tirar a foto para mostrar à empresa. 

A seguradora não cobre esse serviço, disse-me Daniele, a atendente sem perfil. Nem sei se é mulher mesmo. Do outro lado da "escuridão dos relacionamentos obscuros," não se tem como dizer isso ou aquilo, o fato é que voltei à estaca zero.

Estaciono o pensamento exatamente às oito da manhã e fico em busca do replanejamento para evitar tomar banho frio. Eu que nunca gostei de banho, agora vou ter que encará-lo na temperatura ambiente. Lá na Islândia, é um por semana, aqui tem que ser dois diariamente, e isso é torturante. Uma tamanha perda de tempo, porém o sacrifício é compensado pela neutralização dos comentários: "aquele bicho fede muito," saído da boca das moçoilas. 

Coço a cabeça em busca de um naco de conversa. Mil coisas eu poderia dizer sobre o filme baseado em fatos reais que assisti ontem, porém nada acrescentaria ao meu bem-estar. Prossigo "puxando" contos, romances e até há uma tentação de falar da situação de refém pela qual estamos passando. A cabeça dói dizendo que estou forçando-a com o curso que me propus a fazer. 

Visualizo uma mensagem perguntando quanto é a balança antiga que coloquei à venda. Já vendi, obrigado. Quase ninguém sabe que vendo coisas pela internet. Dia desses, um amigo ofereceu o computador para que eu negociasse. Tudo bem, você me diz quanto de memória, a potência do processador etc., aí dá certo. Eu não quero dizer. Você quer que eu venda, mas não quer fornecer as informações sobre o produto, é isso? Isso mesmo! Você pega lá em casa, expõe à venda e pronto. Fiquei olhando para ele achando que um de nós dois era doido. Será que estou ficando esclerosado?, perguntei a mim mesmo. Nem fui lá buscar a peça. E o pior é que ele enfatizou bastante o "não quero dizer" que até me fez procurar o psiquiatra para renovar minha medicação. Achava que meu diagnóstico de esquizotimia tinha sido intensificado, mas não, há sim pessoas mais estranhas do que eu, e esse meu amigo ganha disparado. 

Nós quatro fomos jantar num luxuoso restaurante e ele com um blusão surrado, barba por fazer, calção furado, montado em desgastadas sandálias de dedo; uma camisa por dentro, escrito: shazam! Essa camisa você gosta, né? É porque eu uso uma camisa a semana inteira, disse ele com um sorriso sarcástico olhando para a sua mulher em busca de apoio. Legal, respondi meio que constrangido olhando para a minha que tomava vinho... gut gut gut...

Visualizei mais uma mensagem de parabéns pelo meu aniversário. Nem fui trabalhar para não ter que dizer obrigado pela manifestação de apoio por eu estar vivo. Acho uma besteira grande se comemorar aniversário, e tenho quase certeza que deixei de fazer show de mamulengos exatamente por ter que ir a um todos os dias. É big, é big... é b... pensava eu sorrindo e trincando os dentes acompanhando as palmas na maior cara de pau, afinal o mundo é feito de bons e agradáveis relacionamentos.

Mas a mensagem mais “escrota” que recebi foi elaborada pelo robô de um site de vendas:

"Hoje é um dia muito especial, não é mesmo? 👀

Parabéns, Heraldo! 🎉

Seu aniversário é mais que um dia no calendário: é o início de uma nova temporada. ✨

E nada melhor que celebrar a vida com os amigos e a família que você ama dando aquele abraço que ficou engavetado 💞, comendo uma comida gostosa feita só pra você 🎂, conhecendo um novo lugar na sua cidade 🌃, assistindo aquele filme legal que você ainda não viu 🎥.

Ah, são tantas coisas que a gente guardou pra fazer, né?

Pense que este novo ano é um filme e você é a grande estrela! ⭐

Brilhe e viva intensamente, é o que eu mais desejo pra você! ✨

E lembra que estou sempre aqui, viu? Torcendo por você e celebrando junto! 💙"

Vou deixar de fazer compras virtuais. Até as máquinas já sabem o dia em que eu saí daquele túnel cheio de gosma parecendo uma “briba” ensebada! É mole, hem!


Heraldo Lins Marinho Dantas

Natal/RN, 17.03.2023 - 09h26min.





3 comentários:

  1. Caro Heraldo Lins,

    Em primeiro lugar, gostaria de parabenizá-lo por mais um ano de vida. Você é uma pessoa extremamente talentosa e multifacetada, que demonstra uma habilidade incrível em diferentes áreas da arte, como a criação de histórias, a escrita de crônicas, o humorismo, a arte do mamulengo e muito mais. É evidente que você é um verdadeiro artista, romancista em potencial e poeta, sempre buscando aperfeiçoar-se em tudo que faz e utilizando sua grande inteligência para produzir obras que encantam e emocionam.

    Como disse o filósofo Aristóteles, "A excelência nunca é um acidente. É sempre o resultado de uma intenção elevada, esforço sincero e execução inteligente. Essa citação se aplica perfeitamente a você, pois sua busca constante pela excelência em sua arte é evidente em tudo que você cria.

    Não há dúvida de que você é querido e admirado por muitos, por sua capacidade artística, boa índole e por sua dedicação em aprimorar seus talentos. Desejo a você êxito em tudo que faz, que você continue inspirando e emocionando a todos com sua arte única e que sua trajetória seja repleta de realizações.

    Feliz aniversário, Heraldo Lins!

    Gilberto Cardoso dos Santos

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  2. Prezado Gilberto Cardoso dos Santos.
    Eu nunca gosto de responder com muitas palavras uma fala dirigida a mim, mas essa que você fez estimulou-me a tentar acenar à altura.
    Confesso que fiquei desarmado, essa é a verdade. Até Aristóteles foi chamado para sustentar sentenças tão fortificadas pela verdade do “esforço sincero.”
    Sempre ouvi, dos meus familiares, que tudo que faço é bem-feito, mas só eu sei o quanto dá trabalho tentar chegar a um patamar de excelência. O esforço é tanto que chega-me a tirar o sono, e não é só com coisas que vêm a público. Em casa, se um objeto está fora do lugar, isso me rói o juízo; uma porta bate, corro para tentar evitar o próximo prááá.
    Em relação à escrita treinada aqui no blog, hoje por exemplo, passei o dia todo lutando com as palavras, puxando-as para dentro do ringue, e elas, esnobando, deixaram-me tonto com tantas tentativas de fuga. Quando travo essa luta, sem perdedores, levanto-me, pego um pouco d’água, e nesse intervalo eu sei que o inconsciente está querendo encontrar o que procuro. Não forço para não entregar o texto apressado, e, consequentemente, deixar “furo” quanto ao padrão da boa escrita.
    Entendo que as ideias devem vir como uma onda de um lago sem ventania, suaves e em harmonia com os peixes que nadam no fundo da parte mais profunda do lago. Jamais devo esquecer que cada pedra na margem também tem sua importância na conclusão do que se escreve.
    Ainda bem que este blog é administrado por você, Gilberto. Suas palavras de incentivo, não só a mim, fazem-nos responsáveis pelo sucesso a que chegamos. Fiquei muito satisfeito quando você repassou que alguns dos meus textos já foram lidos por mais de mil pessoas. Isso trouxe-me uma dose de satisfação fora do comum sem contar com o comentário que estou a responder neste momento.
    As coisas vão sendo construídas, e nada melhor do que saber a importância de que cada dia representa nessa construção. Saber que temos poucos dias de vida em comparação com o total da criação da terra, faz-nos pensar direitinho o quanto é necessário procurar um lugar onde se sinta bem, e um dos lugares que encontrei foi aqui no blog. Todos os dias, meu compromisso é sentar-me em frente à tela e ir navegando com o objetivo de conservar os tão assíduos leitores e estimular os novos visitantes a continuarem lendo o que se publica. É como se eu fosse a uma pescaria. Cada “peixe-palavra” pescada é imaginada sendo vista por alguém, analisada por alunos e professores ou simples amantes da literatura. É isso que me dá força para continuar.
    Gilberto, só hoje à noite foi que vi seu trabalho escrito sobre o aniversariante. No momento em que abri a página da APOESC, lá estava você com sua cativante humildade dando-me um dos melhores presentes dos últimos anos.
    Obrigado, poderia ter escrito só esse obrigado lá em cima, mas não, teria sido injusto com você.

    Heraldo Lins Marinho Dantas
    Natal/RN, 18.03.2023 – 22h13min.

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  3. Maravilha, Heraldo. Que bom saber das coisas mencionadas em sua carta-resposta! Como já disseram, os anos que vc e eu temos são os que nos restam, não os que se foram. Espero que os seus sejam abundantes. Abraços e êxito em seus empreendimentos. - Gilberto Cardoso dos Santos

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