quinta-feira, 16 de março de 2023

ERA UMA INFINITA VEZ

 


ERA UMA INFINITA VEZ 


Acredito que a indústria de tecidos ainda hoje procura a fórmula da tinta que pintou o vestido de chapeuzinho. Desde que "me entendi por gente," nunca desbotou. Pelo tempo, deveria estar praticamente branco ou, no máximo, róseo. 


Por outro lado, a medicina veterinária procura classificar a genética do lobo, já que ele continua sem envelhecer e sem se regenerar. Mas eu não sou mau, disse ele em um seminário onde foi convidado para se explicar. Na explanação, falou que a natureza o fez carnívoro, e se isso for maldade, os humanos também, em relação à vaca.


A turma lá do fundo aplaudiu de pé. Isso mesmo, disse o representante dos caçadores. Vivem nos acusando de malvados só porque redirecionamos nossa atividade para bancos, reféns e drogas, mas isso somente aconteceu quando o dono da floresta nos proibiu de caçar.

 

Protesto! gritou a vovozinha chegando em uma cadeira de rodas. Vocês poderiam ter comprado uma padaria e serem fornecedores de bolinhos, mas não, têm armas e acham que podem incendiar e roubar.

 

Calma, mamãe, disse a filha rodando seu vestido alugado para o evento. Meu marido não é nenhum bandido, ele apenas trabalha em prol da indústria "celulárica". A senhora já pensou se não fosse a nossa turma tomando dos ricos?, a indústria não teria para quem vender seus produtos depois que aquela classe tivesse sido abastecida.


Quem diz calma agora sou eu, dono da floresta. Vamos deixar de confusão porque essa lei impedindo as caçadas fui eu quem decretou, mas também não é para seguir ao pé da letra. Ela serve para manter alguns acreditando nela, e assim conseguirmos cobrar impostos. 


Questão de ordem, levantou-se o vendedor de armas. Precisamos fazer leis de acesso para quem possa comprá-las, e jamais concordarei em  deixar somente os caçadores com essa licença. 


Cadê o lobo?, ouviu-se no meio da discussão. Encontraram-no palitando os dentes no coffee break. O mestre de cerimônia havia sumido e chapeuzinho distribuía bolo para a plateia, enquanto os acordos firmados, com a indústria bélica, permaneciam correndo nos bastidores.


Por que a pausa para o café?, perguntou um menino que havia comprado vários volumes da saga e continuava sem saber o motivo principal que os animais tornavam-se humanizados nessas histórias, aparentemente, infantis.


Ninguém deu a devida atenção à criança, tendo em vista que a discriminação continuava sendo praticada em ambientes lotados de adultos. Será que é por isso que os pequenos correm tanto quando estão juntos dos grandes?, alguém sussurrou no momento em que o fazedor de cestos sugeria, em forma de pergunta: que tal reescrever a história excluindo aquela parte mentirosa de abrir a barriga do lobo e a vovó sendo retirada viva? Essa nao!, porque significo a esperança e, mesmo sendo a última que morre, se for seguir a lógica de sobrevivência dentro de um lobo, baleia etc.,  faltará gente para sustentar os nossos privilégios.  


É melhor deixar do jeito que está. Vamos incutir que devem obedecer às leis, e para quem não se conformar com as desigualdades sociais usamos os fora da lei para eliminá-los, o que acham?  Eu vou poder continuar comendo as avós? Acho melhor que o lobo passe, literalmente, a comer todo mundo.  Então eu serei promovida à morte? Você sempre representou isso mesmo. Ah!, Agora entendi porque a vovozinha foi retirada com vida!, exclamou o fã deduzindo que ela havia sido vítima de uma parada cardíaca “desmaiante”. Se os caçadores foram os médicos “ressuscitadores,” eu fui o quê?, perguntou chapeuzinho. Você sempre foi o coração da vovó, e é por isso que sua roupa é da cor de sangue, respondeu sua mãe se revelando uma das autoras da nova releitura do clássico.


Heraldo Lins Marinho Dantas

Natal/RN, 15.03.2023 - 08h36min.



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