segunda-feira, 23 de janeiro de 2023

BATALHAS EM OUTRAS DIMENSÕES - Heraldo Lins



BATALHAS EM OUTRAS DIMENSÕES


Na entrada da maternidade, havia uma ambulância com as portas abertas e alguns maqueiros fazendo o serviço. Não, minto, onde eu parei e olhei de lado foi num cemitério sem nenhuma alma para se ver, meia-noite em ponto. 

Voltando a ler o que escrevi acima, notei que esse “vai pra lá e vem pra cá” me causou um pequeno desconforto. Dever ser o padrão exigindo que se tenha uma só linha de raciocínio. O que eu não queria era deixar pistas do local onde avistei aquela mulher.    

Meus olhos bateram nos dela. É melhor dizer que nossos olhos se cruzaram no mais puro beijo de reflexos. Isso ficou mais suave e até poético. Percebi que ela era cega. Vejam o choque “despoético”. Ser cego, principalmente em locais onde se reúne pessoas que enxergam, fica quase soando como uma nota fora do tom, e, por ela ser cega, desmancha toda a construção "puro beijo de reflexos". 

Foi chocante ver, através daqueles olhos todo branco, o mundo estranho em que ela se encontrava. Ela havia sido coroada rainha, só que com um grau intenso de feiura para os padrões do reino. Alguns podiam dizer que ela era linda pelo simples fato que estava com uma coroa de brilhantes, vários seguranças por perto e... agora me arrependo de ter dito que ela era cega e feia. É melhor deixá-la bonita e com olhos “enxergantes” senão a escrita segue outro roteiro. 

Ao contar que vi um universo contido naquele olhar, pode parecer exagero. Vi algumas imagens que me deixaram preocupado. Aconteceu que as imagens ficaram refletidas na parede e pude ver o quanto ela caminhava além da sua real existência.  

As imagens foram apagadas assim que ela começou a desmaiar em câmera lenta, de forma tão câmera lenta, que deu tempo para eu fazer selfies enquanto ela caía. Quando estava prestes a meter a cara no chão, algo lhe amparou.  

Eu tinha bastante tempo para ficar olhando-a flutuar, afinal naquele final de semana estava eu sem programação, contudo essa “onda dela ficar flutuando", deixou-me num beco sem saída. Como vou explicar isso, até porque a criação tem que ser verossímil. Só me restou apelar para o sobrenatural. 

Nas imagens que tive acesso, percebi que sempre aparecia um anjo da guarda ao seu lado. Aqui fica meus agradecimentos aos criadores desse ser que  uso sem pagar a franquia. O seu anjo da guarda a segurou e a deitou na maca com os maqueiros lhe dando suporte.  

Recebi aplausos dos maqueiros por tê-los inseridos na trama mais uma vez. Levaram-na para dentro da maternidade. Os seguranças ficaram fora porque eu os mantive lá com o objetivo de fazê-los entender que são apenas figurantes. Vi o anjo estirando o dedo para mim e entrando usando seu disfarce de “invisível”.

No atendimento, aconteceu algo incrível. Foi tão impressionante que até acho que nem devo contar. Só conto se os leitores derem uma respirada. Muito bem, obrigado! 

Lá dentro ela acordou, simultaneamente, no mesmo instante que o médico falecia. Essa mania de falar em mortes já está se tornando viciante, mas foi isso mesmo que aconteceu. O médico bateu as botas, ou melhor, bateu os sapatos brancos. Naquele instante, ela levantou-se e saiu chutando o que encontrava pela frente, inclusive os maqueiros. 

Não tenho nada contra eles, contudo ficaram com raiva dizendo que eu poderia tê-los colocado em outra situação mais agradável. Receber chutes de uma paciente, mesmo sendo dentro de um contexto literário, “não pega bem”. 

O fato é que eles não viram que aquele rebuliço todo foi causado pelo anjo da guarda da rainha. Enquanto ela se levantava dispensando ajuda, o anjo ficou inticando os anjos dos maqueiros, e isso refletiu na realidade. 

Enquanto os anjos do bem estavam entretidos em domar aquele anjo desordeiro, os maqueiros ficaram desprotegidos e foi nesse momento que a rainha os atacou, com a conivência dos seguranças. Como os anjos dos seguranças estavam desocupados, foram dar murros e pontapés nos outros e eu, para não ver o meu entrar na briga, preferi correr para longe daquele furdunço. 


Heraldo Lins Marinho Dantas

Natal/RN, 22.01.2023 – 15h35min



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