quarta-feira, 6 de abril de 2022

VOLTA POR CIMA - Poeta Daxinha

 


VOLTA POR CIMA


Derna deu muito pequeno

Era mei mal-amanhado

Fui muito apilidado

Ali naquele terreno

Eu ainda era criança

Divido eu ser mei buchudo

Me chamaram burrachudo

Casca-Grossa e Chico Pança.

Mais dispoi fui incoipano

Os cafanhaque apontano

Via os zouto namorano

E doidim pá vê cuma era

Saí um dia bem cedo

Escundidim em segredo

E fui paquerá Quitéra.

Cheguei bem pertim dela

E dixe: “Ou morena bela

Tu quéis sê minha paquera?”

Ela dixe: “Sai de mim

Aimação de caba rim!”

Eu já fiquei mei assim

Sem tê mesmo o que dizê

Ela deu uma rabissaca

Foi lá dentro da barraca

Deu de garra numa faca

O jeito foi eu corrê.

Arrisurví ir mimbora

Passá uns tempo lá fora


Pedi pá Nossa Senhora

Pra ela me ajudá

Peu arranjá um emprego

Esquecê esse chamego

Que minha vontade era

De dá um duro danado

Pá chegá bem estribado

Todo chique e arrumado

Pá fazê raiva a Quitéra

Arrumei o matulão

Me atrepei num caminhão

E saí de mundo afora

Cinco ano eu trabaiei

Um bom dinhêro ajuntei

Pedi as conta e vortêi

Pu lugá que meu pai mora.

Achei tudo diferente

Os véi ficaro contente

Conde um amigo da gente

Dixe em tom de brincadêra

“Adispoi que tu saísse

Queria que você visse

Uma pessoa me dixe

Que Quitéra inda é sortera!”

A nutiça se ispaiô

E eu num sei quem falô

Pá Quitéra “Quem chegô

Foi o rapai injeitado


Aquele que só foi simbora

Puique você deu-le um fora

Num é que chegô agora?

O caba vei estribado.”

E ela ali calada

Cuma quem num ligô nada

Mai na mente da danada

Já tava fazeno um prano

Pensano: “vô visitá ele

Chego lá me agarro nele

Lhe dô um xêro daquele

E nói termina casano.”

Um dia eu tava deitado

Já passava de uma hora

O só quente cuma brasa

Conde arguém dixe: “Ou de casa?”

Arrespondí: “Ou de fora!”

Me alevantei da rede

Pensano: “É arguém cum sede”

E fui lá fora pá vê quem era

Conde fui me aprochegano

Tinha uma véia me oiano

Preguntei: “Cum quem tô falano?”

Ela dixe: “É cum Quitéra”.

Eu dixe: “Tu sois aquela que era

A muié da minha vida

Onde está o teu orgulho?

Ela dixe intristicida

“Vamo esquecê o passado”

Eu dixe: “Muié fingida


Num pense que eu sô covarde

Num acha que agora é tarde

Siga em frente o teu caminho

Que eu tô bem, obrigado

Lembro que fui injeitado

Enquanto eu tiver lembrado

Prefiro viver sozinho.

Pelo jeito que tu vai

Se aparecê um rapai

Veja lá cuma tu fai

Pá vê se num morre só

Num faça o que fei cum eu

Tu num sabe o que perdeu

O castigo já recebeu

É terminá no caritó.

Eu aprendi a lição

Peigunte a teu coração

Se ainda guarda paxão?

Puique no meu num consigo

Hoje estai arrependida

Se lastimano da vida

Será que tais esquecida

De tudo que fei comigo?”


Autor: JOSELITO FONSECA DE MACEDO, vulgo, DAXINHA.


08/05/2005.

Um comentário:

  1. O poeta Daxinha sempre gostou muito de escrever em "linguagem matuta", como ele costumava dizer.
    Penso que é a essência linguística do homem simples do sertão, expressando seus sentimentos mais genuínos.
    Obrigada pelo espaço, grande Gilberto!!

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