quarta-feira, 2 de março de 2022

UM FUTURO DE LUXO - Heraldo Lins

 


UM FUTURO DE LUXO



Às vezes me acalmo ao entrar em contato com abelhas. Fico pacientemente sentindo dores, mas percebo que elas estão apenas expressando seu amor para comigo. Sentem-se minhas amigas, e a única forma de eu retribuir os carinhos recebidos é inchando onde elas picam. Quando eu era inocente tinha medo, mas depois vi que elas querem apenas se mostrarem simpáticas. 

Essa mania de gostar de ser picado por abelhas começou quando chegou um enxame perto da minha casa. Estava doente com febre alta e elas invadiram meu leito ferroando-me e, ao mesmo tempo, curando-me. É uma história comprida e simpática porque gosto que me ferroe nos lábios para ficar igual a um pajé das tribos ianomamis. 

Apesar de ter nascido e vivido na cidade, adaptei-me à vida no campo. Minha relação com os peixes sempre foram as das melhores. No rio sempre ia pescar piranhas, e quando conseguia, eu colocava o dedo na boca delas só para ver o meu sangue jorrar. Depois tinha um motivo para espetá-las e comê-las assadas. Se fosse para matá-las sem motivo, eu não faria. 

O galo precisava me acordar por várias vezes até eu decidir mandar ele cantar no céu. Acho que lá tem muito galo acordando às Vossas Senhorias, principalmente São Pedro que fica de plantão esperando as almas chegando fora de hora. 

Pense num lugar rico, é o céu. Até a fumaça vai para lá. há vários armazéns com coisas que são queimadas aqui e armazenadas por lá. Os cientistas tentam explicar que a combustão transforma tudo em cinza e fumaça, mas eu não sou besta de acreditar. 

Quando um objeto morre, através do fogo, suas lembranças, em forma de cinzas, fica aqui na terra, e sua verdadeira essência vai para a vida eterna. Depois que os homens acabarem com o planeta, todas as formas primitivas voltarão para reiniciar o ciclo. As cadeiras voltarão em forma de árvores, o ferro regressará para ser minério, e assim por diante.

A água é a única forma que brinca de pula pula do céu para a terra. Vive nesse vai e vem e ninguém acredita que estamos apenas sendo vítimas das suas brincadeiras molhadas. Eu nem sei por que há pessoas se estressando com a destruição. Isso é uma forma de adiantar o conforto para quando a pessoa chegar ao outro mundo os bens estarem esperando pelos seus respectivos donos.

Eu mesmo já queimei sapatos, meias, calças e camisas para não andar nu por lá. Até um carro eu joguei na fogueira. Como o apocalipse só acontecerá daqui a muito tempo, estou me prevenindo para viajar bem-vestido naquele mundão branco sem fim.  


Heraldo Lins Marinho Dantas

Natal/RN,    02.03.2022 ─  08:25


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