sexta-feira, 25 de fevereiro de 2022

TEATRO DE FORA - Heraldo Lins

 


TEATRO DE FORA


 Essa conversa de que todos morremos é mentira. Ouvimos falar que alguém morreu, mas não se consegue provar. O que temos é apenas um corpo sem movimento externo. Na verdade, essa pessoa apenas deixou de atuar no teatro que chamamos, inocentemente, de vida, e, com certeza, jamais voltará aos espetáculos dos quais participava.

Mesmo se ele voltasse, não seria aceito entre os demais que atuam por aqui. A primeira reação seria correrem para longe ou mandá-lo, rapidamente, de volta para o buraco de onde ele veio.

Durante sua estada nesse cenário, ele era, como nós, uma criação, um personagem que atuou sem nos darmos conta que estávamos contracenando com ele. Isso acontece diariamente a todo instante. Nos bastidores desse teatro existe um batalhão de escritores que não descansam um só instante “roteirizando” as cenas que estamos gravando. Esses roteiristas são muito competentes e individualistas. Cada gêmeo, por exemplo, conta com um exclusivamente seu. E não adianta querer imitar o outro. Lá nos bastidores esses escritores são quem coloca esses pensamentos em nós, os personagens.

Quando se é criança, eles recebem o nome de anjo da guarda. Dizem até que protegem os inocentes. O ator infantil, pode até ser inocente, mas o autor daquela vida é tarimbado no ofício. Estudou na famosa escola de roteiristas, e aprendeu, logo no primeiro ano, que um ator recém-nascido precisa ter um roteiro recheado de choro, sono, ingerindo e expelindo substâncias continuamente. Se o roteirista não conseguir escrever esse simples enredo, será demitido levando junto o ator para a calçada do desemprego. 

Neste momento, o profissional que dirige este ato pode estar colocando, na cabeça de quem lê, pensamentos de desconfiança. Eu não posso saber o que se passa em outro roteiro, porque esses profissionais, normalmente, não trocam e-mails nem mensagens de WhatsApp. Cada um tem uma cabine onde criam os roteiros de forma sigilosa. Daí vem a origem das vontades. Ah! Estou com vontade de comer ameixa, puro engano! Essa vontade é do diretor. Quando um roteirista/diretor decide produzir vontade de acasalar no seu dirigido, ele procura outro colega para decidirem o enredo do namoro. Precisam de consenso para ver se o capítulo intitulado casamento poderá acontecer. Muitas vezes fazem um ziguezague danado para que os personagens se encontrem. 

Capítulo do casamento encerrado, vêm filhos, netos, até  a cortina se fechar. Nos bastidores escuros, o ator fica procurando um roteiro. Neste momento, o roteirista apresenta-se e pergunta para o ator o que achou de estarem juntos naquela jornada que acabou há pouco. O ator, depois que entende o processo, pergunta ao roteirista por que estava encenando com óculos de míope? O roteirista se explica argumentando que se não colocasse ele com pouca visão, seu jeito atrevido de bater na cara de outros atores o levaria para fora do palco. E agora, o que será de mim sem um palco para atuar? Recebe como resposta que será roteirista. Escolha um ator ou atriz para dirigir que a tarefa será sua, diz o seu manipulador, e sai para usufruir uma promoção. E assim o espetáculo continua. Abre-se a cortina com mais um atorzinho chorando em cena.  


Heraldo Lins Marinho Dantas

Natal/RN, 24.02.2022  −  16:29


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