sábado, 18 de dezembro de 2021

O BARBEIRO E O JUMENTO - Heraldo Lins

 





O BARBEIRO E O JUMENTO


O barbeiro tirava a barba ao mesmo tempo em que raspava o cabelo dos clientes. Este talento, misturado à capacidade de falar da vida alheia, concedeu-lhe o apelido de três em um. 

Morava em um sitiozinho à beira da estrada e todos os dias ia em seu jumento para a barbearia. Chegava de um só galope. O animal era muito procurado para acertar as contas com as jumentas. E olhe que era uma dívida enorme, mas o jumento, nunca errava os cálculos. Se ele fosse gente, com certeza seria um cientista.  

O barbeiro, por sua vez, não era muito bom de contas. Diziam até que os filhos da sua mulher não eram dele. Enquanto estava na barbearia, a mulher recebia muita gente em casa, porque, para ajudar ao marido, “costurava pra fora”. Era um entre e sai de gente o dia todo, e, como homem também é gente, íamos provar roupas, e nesse ínterim os meninos nasciam.  

O barbeiro e a costureira juntavam um dinheirinho para no final do ano levar a caçarola cheia de farofa para a praia. Os meninos ficavam contando os dias para irem em cima do caminhão. Passavam o réveillon por lá enquanto o povo da cidade ficava dizendo que o barbeiro ia se encontrar com outros barbeiros, e a mulher, bem, a mulher, apoiava o marido.

Voltavam todos queimados da praia. O barbeiro, sentado na calçada e sem camisa, dizia que nunca mais iria tomar banho naquela água salobra. Na semana seguinte mostrava a pele descamando, e ela também fazia questão de que vissem a marca da diversão em seus ombros. Em casa sua roupa era uma saída de banho sem nada por baixo. As beatas nem mais eram suas clientes. 

− Quanta falta de respeito ─ diziam umas para as outras. 

Mas ela não se importava, pelo contrário, retrucava que ninguém atira pedra em árvore sem frutos. Ela realmente tinha um “rebolador” digno de se olhar.

Na festa de São José daquele ano haveria uma corrida de jegue. Todos os preparativos estavam sendo feitos, inclusive, já no início da semana isolaram a pista onde os animais iriam disputar os cinco mil em prêmio. O favorito era o jumento do barbeiro, não restavam dúvidas.  

O barbeiro não fazia por menos. Ficava andando em frente à barbearia em cima de Rouxinol, cutucando o bicho e freando para mostrar o quanto ele era obediente. 

Chegou o grande dia, às quatro horas da tarde. Dado a largada, o que se previu estava acontecendo. Rouxinol saiu na frente e manteve distância quase todo o percurso. Faltando apenas uns cinquenta metros para o final da prova, uma jumenta no cio invadiu a pista em direção contrária. Rouxinol, ao avistar a endividada querendo saldar a conta, foi atrás. O barbeiro ainda puxou as rédeas, mas Rouxinol, pela primeira vez em dez anos de convívio “baixeiro”, pulou “escramuçando”. Vaia para o caído na areia, e aplausos para Rouxinol. Dizem que a jumenta havia sido preparada como arma secreta pelo segundo favorito que terminou ganhando a prova.   


Heraldo Lins Marinho Dantas

Natal/RN, 06.12.2021  -  22:40





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