VIDAS
BEM VIVIDAS
Diogenes da Cunha Lima
Nada mais fascinante do que o panorama
humano de uma cidade. Nela, há pessoas que aproveitam o máximo do seu tempo, potencializam
sua energia. Focam no que fazem e alcançam êxito. São personalidades singulares
pela maneira de pensar, sentir, de agir. Em seu meio são distinguidas por estabelecer
um padrão de comportamento.
O pai
da educadora pioneira Noilde Ramalho, Odilon Amâncio Ramalho, deixou indelével
sua presença no empreendedorismo. Há cerca de cem anos, colocou energia
elétrica em Nova Cruz. Implantou indústrias. Inventou uma máquina para
irrigação e torrefação. Produzia café, milho, colorau. Fundou, inclusive, fábrica
de descaroçamento de algodão. A sua casa, decorada com vitrais, tinha comunicação
com sua loja de tecidos e dispunha de água encanada. Era a única na cidade com
assoalho de madeira nobre.
Odilon
era alto e elegante. “Parecia um lorde inglês”, observou Leonardo Arruda.
Usava gravata e paletó de linho branco, o que não o impedia de consertar, como
mecânico, um motor elétrico, para desespero da tia Lucila. Foi o primeiro prefeito
(intendente), ordenou o desenvolvimento da cidade. Na revolução comunista de
1935, era delegado e deslocou-se até a Paraíba para reforçar a defesa da cidade.
A tropa revolucionária chegou, mas Noilde foi a seu encontro e o convenceu a
evitar o confronto armado.
No
tempo do filme mudo, instalou o Cinema Éden. Escolhia a trilha musical e a
colocava no alto-falante. Encantava-se com a representação genial de Buster
Keaton, mas o público preferia os seriados de faroeste do astro Buck Jones.
Toda mocinha apaixonava-se pela beleza e heroísmo do ator. O cinema não
funcionava no horário das missas da vizinha igreja matriz. O vigário censurou a
música “imoral” que dizia: “Que um casal de bode desfilava na manhã. O bode
veio de corpete e a cabra de sutiã”. A cabrita vestia “corpinho”, uma espécie
de sutiã que chegava até perto do umbigo.
Paulo
Bezerra, de um metro e meio de altura, alugou o cinema. Dono da Tipografia Lux,
industrializava bebidas e provava a “ginebra” e a jurubeba. Nacionalista, chamavam-no
de comunista por suas atitudes. A sessão de cinema só começava depois de tocar “O
Guarani”. Recebeu em sua casa a visita do “esquerdista” Café Filho, então
Presidente da República. Autorizou que o professor Luis Maranhão, amigo do
comunista Eliezer, fizesse exibição de filmes sobre a Cuba de Fidel. A sua
maior glória era de seu cinema ter apresentado o famoso ator Procópio Ferreira.
O
porteiro do cinema, Zé-Boca-da-Noite, tocava pandeiro e era farrista. Admitia
gratuitamente seus companheiros de farra, mas defendia a empresa. Um cliente
mostrou uma pulga dizendo ter encontrado na sala cinematográfica. Ele contestou:
“Vocês trazem as pulgas de fora e dizem que as encontrou aqui. Tem o carimbo do
Éden? Se não tem, não é do Éden”.
Dona Lindalva
pediu ao marido a demissão do porteiro. Paulo rejeitou a proposta. Se eu demitir,
quem danado vai dar emprego a Zé?
Eles fizeram
a vida valer a pena.
Diógenes da Cunha Lima (poeta, prosador e compositor) é advogado e presidente da ANL (Academia Norte-rio-grandense de Letras). Alguns de seus livros: “Câmara Cascudo - Um Brasileiro Feliz”, “Instrumento Dúctil”, “Corpo Breve”, “Os Pássaros da Memória”; “Livro das Respostas” (em face do “Libro de las preguntas”, de Pablo Neruda); “A Memória das Cores”; “Memória das Águas”; “O Magnífico”; “A Avó e o Disco Voador” (infantil).
Foi Presidente da FJA, Secretário de Estado; Consultor Geral do Estado; Reitor da UFRN; Presidente do CRUB. Atualmente, dirige o seu Escritório de Advocacia e preside a ANL (Academia de Letras). Alguns de seus livros: “Câmara Cascudo - Um Brasileiro Feliz”, “Instrumento Dúctil”, “Corpo Breve”, “Os Pássaros da Memória”; “Livro das Respostas” (em face do “Libro de las preguntas”, de Pablo Neruda); “A Memória das Cores”; “Memória das Águas”; “O Magnífico”; “A Avó e o Disco Voador” (infantil).
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