SÓ EM FALAR JÁ ESTOU CANSADO
Lembrei-me de o homem preguiçoso. Passava fome, mas
não queria trabalhar. Na comunidade todos tinham que dar sua parcela de
contribuição no plantio. Como ele só consumia, resolveram enterrá-lo vivo. No
caminho do cemitério um tropeiro encontrou o cortejo e quis saber de que se
tratava. Sabedor do motivo, ofereceu um saco de arroz para o condenado, o que
de pronto perguntou: é com casca ou sem casca? Com casca. Toque o enterro.
A teoria do menor esforço foi a causa principal do
filósofo ir olhar a floresta em vez de cortá-la. Perguntaram-lhe o porquê de ir
toda tarde observar a mata, ele respondeu: para entender o conceito vigente.
Enquanto eu olho a floresta sou taxado de preguiçoso, outros que passam o dia
destruindo-a são vistos como trabalhadores.
Esse conceito muda bastante. Assisti uma mulher sendo
entrevistada na TV tendo como pauta o desaparecimento do seu marido. A repórter
muito empolgada mostrava a mulher como vítima. Perguntada em que o marido dela
trabalhava ela disse: trabalha com esse negócio de assalto. Ela considerava o
marido trabalhador.
Matar os filhos deu muito trabalho a outra que sofria
de depressão pós-parto. Matou os pequenos afogados na banheira. Primeiro afogou
o novinho com poucos dias de nascido. Depois o maior e a do meio foi a última. Deu
trabalho ser condenada. Dá trabalho ler. Dá trabalho escrever. Dá trabalho
viver. Resta apenas morrer. Fulano está dando trabalho para morrer. Até na hora
da morte o trabalho está presente. A outra está em trabalho de parto. Haja
trabalho.
O mais famoso trabalhador da história foi Hércules. Ele
teve doze profissões oficiais. Estava Hércules desempregado e surgiu um emprego
para matar o leão de Neméia. Na verdade não era um emprego, foi um contrato
assinado na caverna do tabelião. Ele foi lá e realizou a tarefa como quem toma
um copo d’água. O empregador não quis pagá-lo, então Hércules tirou o couro do
leão e fez um blusão. A história não conta, mas ele também era alfaiate. Hércules
saiu de lá e foi trabalhar matando serpentes de nove cabeças. Se tivesse oito
cabeças ele rejeitava. Tinha que ser nove. Não podia ser dez. Era nove, eu já
disse. Só emprego difícil. Matar
serpente com uma só cabeça já é complicado, imaginem com nove!? Mas Hércules bem
tranquilamente como quem toma um copo de suco de maracujá, bocejou enquanto
assassinava a Hidra de Lerna. Claro que teve ajuda do seu sobrinho Iolau, mas
quem ficou com a fama foi só Hércules. Até hoje essa questão rola na justiça para
reconhecer o trabalho de Iolau. Hércules entediado de tanto matar resolveu
capturar vivo o javali de Erimanto. Bicho feroz mordia até tempestade em dia de
vento, ou melhor, podia ser vento em dia de tempestade que ele mordia do mesmo
jeito. Depois de encurralá-lo Hércules ofereceu algodão doce e o bicho ficou
manso. Ele era, acima de tudo, estrategista. Um dos trabalhos que deu mais
trabalho foi a captura da Corça Cerinéia. Ele passou um ano correndo atrás
dela. Só conseguiu capturá-la na travessia de um rio. Eu fico imaginando uma
pessoa correndo durante um ano. Comia correndo, tomava água correndo, fazia o
número um e o dois na carreira. Acredito que ele corria até dormindo. Hércules
era fogo. Muito trabalhador.
Heraldo Lins Marinho Dantas (arte-educador)
Natal/RN, 04/01/2021 – 22:04
84-99973-4114
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