PRISÃO CORPORAL
Estou preso. Minha cela está com uma pedra preta
no chão, e no telhado há pelos esbranquiçados que teimam em cair. As janelas
estão ficando borradas e as entradas laterais não captam ruídos como
antigamente. A minha pena é cuidar dela com o maior esmero. Tento fazer o
melhor. Diariamente utilizo água, xampu e sabonete para mantê-la higienizada.
Uma toalha conclui a limpeza. Duas vezes ao dia retiro o lixo, e de hora em
hora enxugo as infiltrações. Dá muito trabalho. No início havia alguém para me
ajudar. Hoje, tenho que ajudar outras pessoas a cuidar das delas. Nos
identificamos pela cela que temos. Há celas arredondadas e de boa aparência.
Outras celas são estufadas na frente, quadradas de lado, encurvadas atrás, com
a porta sem grade fechando-se e abrindo-se descontroladamente. Em cada cela há
um comando que nem sempre está satisfeito com o que vê ao seu redor. Quer fazer
reforma a todo instante. Diminue a quantidade de matéria que é colocada dentro,
manda a cela pedalar, correr, pular, dançar.... Vejo muitas celas pelas ruas e
estradas obedecendo ao comando esportivo. Alguns comandos tentam se ver livre
da cela, mas ela não se desgruda. Outros se unem de tal forma que procuram pedreiros
para melhorar a aparência. Os pedreiros com bisturis nas mãos isolam a cela e
começam a reforma. Tiram a crosta impregnada nas paredes internas, esticam o
reboco, colocam silicone na fachada e reforçam o guichê com ácido hialurônico. Fica
muito bom, porém a manutenção é caríssima. Nem sempre a detenta tem condições
de embelezar a sua cela. Os projetos de construção são divididos em duas
etapas. Inicialmente a cela é feita sem teto e grades. Com o passar do tempo o
telhado vai sendo colocado e as grades apontando de dentro para fora nas
paredes dos guichês. Quando o comando se dar conta, já está aprisionado. Aí
gera a revolta. O comando sem uma estabilidade emocional adequada tenta
destruir a cela. Ele sabe que se ela for destruída e irá junto. Nenhum tijolo
será aproveitado. E isso que faz com que o comando procure ser tolerante. Mas o
destino de cada cela é deixar de existir. Depois de um certo tempo, começa a
cair o reboco, as grades não se sustentam no guichê e as paredes tremem sob a
brisa matutina. Neste estágio o teto fica cheio de goteiras deixando passar
pingos de esquecimento que molham o sistema autônomo. Depois que o sistema é
inundado pelo líquido, há uma perda da aderência da massa que une os tijolos. A
fragilidade das paredes tende a fazer a cela desmoronar-se por inteiro. O
comando não tendo quem o obedeça, foge deixando a metralha para o coveiro
enterrar.
Heraldo Lins
Marinho Dantas (arte-educador)
Natal/RN,
16/12/2020
84-99973-4114
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