sábado, 21 de setembro de 2019

A feira - Rosemilton Silva


A feira

Quando o dia vai quebrando a barra, o burburinho na feira toma conta da rua Grande com suas barracas de frutas, verduras, legumes, feijão e farinha em cuia, garajau de rapadura, aqui e acolá um saquinho de arroz.
Mas a madrugada não é menos barulhenta com cabeceiros e feirantes se movimentando para deixar tudo em ordem para quando chegarem os primeiros fregueses. Além disso, eles separam as encomendas dos seus fregueses mais abastados e assíduos que não querem chegar cedo mais gostam do melhor e podem pagar por isso.
Tem os meninos do frete que com suas carroças de mão ajudam no carregar as compras fora e dentro do mercado onde estão as carnes, peixes e até verduras. Meninos em que você pode confiar que até pegam as compras e vão deixar com os valores de cada um dos fornecedores trazendo a quantia exata para o pagamento.
Vem gente de todos os cantos. Se vende de tudo. Tamborete, panela, alguidar, pote, jarra, quartinha, fogão, enxada, vassoura, espanador, meizinhas pra tudo que é doença, mané mago, roi roi, peão, borracha de câmara de ar para baladeira, brilhantina, pó Royal, rouge, pente, espelhinho de bolso, sebo de carneiro capado, lambedor.
Cela, arreios, cangalha, cambito, barril, caçuá, cabresto pra cobra, óculos pra calango cego, peinha de fumo pra embebedar cobra, ciscador, pêia pra jumento que foge, máscara pra boi brabo, fucinheira pra dar milho a cavalo, chinelo e cabresto, sandália franciscana com solado de pneu de caminhão.
Gelada, raspadinha, algodão doce, rolete de cana, pirulito, quebra queixo, pão doce com caldo de cana, cantador de viola vendendo cordel e tem até o “Na feira de Santa Cruz, Tem tudo não falta nada”, homem da cobra vendendo óleo do peixe elétrico e puraquê, licor de tudo que é fruta, cueiro pra menino recém vindo ao mundo.
Mas o bom mesmo do mercado é um cego cantador na porta com sua voz lamuriosa para pedir o sustento. Dentro, o cheiro do café torrado na rapadura entra nas nossas narinas num convite irrecusável para acompanhar com um bolo de macaxeira, de batata doce, da moça ou com uma tapioca molhada na graxa do carneiro torrado.
A feira tem seus sons próprios do anúncio das mercadorias. Um grita que a banana não foi amadurecida no carbureto; outro diz que a manga foi colhida no pé; alguém observa que a jaca pode ser mole para comer ou dura para um doce.
A feira é sempre uma festa. É nela que a gente se encontra com os amigos para falar sobre amenidades ou coisas sérias. Em geral a maioria da conversa descamba sempre para a possibilidade de seca ou inverno, coisa que mexe com qualquer feira das cidades do interior.
Tem Pajeta abrindo caminho imitando o barulho do trem, Migué Doido preferindo duas notas de um cruzeiro em vez de uma de cinco, Chiquita naquele seu vestido impecavelmente branco e não aceita resto de comida, Antonio Vicente que rouba frutas e ainda sai cantando loas contra o feirante roubado.
Tem também a bondade de muitos que não se negam a dar parte de seus produtos para aqueles que não podem compra-los até como forma de agradecer pelas vendas e também porque muitos produtos são perecíveis.
É por isso que a gente costuma dizer que a feira tem cheiro e voz. Seus cheiros se misturam como bálsamo para muitos e suas vozes são música para os ouvidos por isso mesmo os moradores da rua Grande nunca reclamam do barulho que começa antes do galo cantar.

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