quarta-feira, 5 de setembro de 2018

A IRA DAS LABAREDAS (José da Luz Costa)




A IRA DAS LABAREDAS
José da Luz Costa

Os olhos incrédulos da nação estarreceram-se com a pira gigantesca em que se transformou o Museu Nacional, situado na cidade ainda maravilhosa de São Sebastião do Rio de Janeiro. Era noite de domingo. Em tempo de eleições. E a pergunta se repetia na televisão: “Que Brasil você quer para o futuro?”

Cada casa deste país continental, que já foi um paraíso tropical, desejou ser um hidrante para lançar um jato de água abundante sobre aquelas implacáveis cortinas de fogo. As chamas famintas engoliam o passado e o presente. Um país tão jovem! que agora precisa se reconhecer nas cinzas deste holocausto, e aprender novas lições junto ao altar da pátria.

Museu Nacional. Um coração palpitante durante duzentos anos, mantendo vivas a história e a cultura. Tradições e traduções. Espelho onde se contemplava os rastros de antepassados, a face de homens e bichos de dias muito antigos. Tesouro de joias raras e caras. Casa real de filhos ilustres. Berço de acalento de nossa soberania e liberdade.

Museu Nacional. Ícone da tragédia. Tragédia anunciada, agoniada. Procura-se o pai da tragédia. Ninguém se apresenta. O edifício desnudo está órfão. Mas, erguido por mãos fortes, manteve-se ereto, com suas paredes imponentes, servindo de urna para receber as cinzas de todos os seres que ali habitaram ao longo das estações...

Museu Nacional. A última morada de Luzia. Uma jovem mulher que esperou onze mil anos para deixar as brenhas de uma caverna nas Minas Gerais e fixar residência num palácio real. Onde estão seus inquisidores? Sua alma ainda lança gritos dilacerantes pelos ares. Quem acendeu essa fogueira, que devorou o sossego de sua eternidade?

Museu Nacional. O filme mais triste exibido em tempo real para todo o país. Cadê os seus protagonistas? Encontram-se apenas dissimulados antagonistas. Agora, nestes dias de luto, eles ressurgem como salvadores, doadores, atores. São adeptos da famigerada filosofia do atraso. Ah! se tivesses a sorte das catedrais, dos palácios da justiça e das mansões parlamentares!...

Museu Nacional. O fogo que te devorou continua ardendo e nos inflamando por dentro. Um fogo que queima a nossa vergonha diante do mundo. Um fogo que enfumaça a nossa volátil vaidade. Um fogo que assusta as nossas crianças. Um fogo que seguirá incinerando a nossa esperança...

Museu Nacional. Mantenha-se firme e forte. Seja o símbolo de resistência deste Brasil gigante pela própria natureza. Mas faça-o levantar-se desse berço já não mais esplêndido. Faça soprar um novo vento Brasil adentro. Convide de volta seus visitantes, estudiosos, pesquisadores e admiradores.

E que os céus abrandem sua ira e aceitem que cada brasileiro seja um depositário das memórias nacionais. Pois, o esquecimento é o coveiro da história. E será mais uma tragédia permitir que o deszelo e o descaso lancem suas labaredas sobre nossa sorte. Melhor seria suplicar ao destino que cavasse a nossa derradeira alcova, sete palmos abaixo do solo pátrio.

Oh minha pátria amada! Não quero para ti a profecia apocalíptica de Ignácio de Loyola Brandão, no título de seu mais novo romance: “Desta terra nada vai sobrar, a não ser o vento que sopra sobre ela”.

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