A IRA DAS LABAREDAS
José
da Luz Costa
Os olhos incrédulos da nação estarreceram-se com a
pira gigantesca em que se transformou o Museu Nacional, situado na cidade ainda
maravilhosa de São Sebastião do Rio de Janeiro. Era noite de domingo. Em tempo
de eleições. E a pergunta se repetia na televisão: “Que Brasil você quer para o
futuro?”
Cada casa deste país continental, que já foi um
paraíso tropical, desejou ser um hidrante para lançar um jato de água abundante
sobre aquelas implacáveis cortinas de fogo. As chamas famintas engoliam o
passado e o presente. Um país tão jovem! que agora precisa se reconhecer nas
cinzas deste holocausto, e aprender novas lições junto ao altar da pátria.
Museu Nacional. Um coração palpitante durante duzentos
anos, mantendo vivas a história e a cultura. Tradições e traduções. Espelho
onde se contemplava os rastros de antepassados, a face de homens e bichos de
dias muito antigos. Tesouro de joias raras e caras. Casa real de filhos
ilustres. Berço de acalento de nossa soberania e liberdade.
Museu Nacional. Ícone da tragédia. Tragédia anunciada,
agoniada. Procura-se o pai da tragédia. Ninguém se apresenta. O edifício desnudo
está órfão. Mas, erguido por mãos fortes, manteve-se ereto, com suas paredes
imponentes, servindo de urna para receber as cinzas de todos os seres que ali
habitaram ao longo das estações...
Museu Nacional. A última morada de Luzia. Uma jovem
mulher que esperou onze mil anos para deixar as brenhas de uma caverna nas
Minas Gerais e fixar residência num palácio real. Onde estão seus inquisidores?
Sua alma ainda lança gritos dilacerantes pelos ares. Quem acendeu essa
fogueira, que devorou o sossego de sua eternidade?
Museu Nacional. O filme mais triste exibido em tempo
real para todo o país. Cadê os seus protagonistas? Encontram-se apenas
dissimulados antagonistas. Agora, nestes dias de luto, eles ressurgem como
salvadores, doadores, atores. São adeptos da famigerada filosofia do atraso.
Ah! se tivesses a sorte das catedrais, dos palácios da justiça e das mansões parlamentares!...
Museu Nacional. O fogo que te devorou continua ardendo
e nos inflamando por dentro. Um fogo que queima a nossa vergonha diante do
mundo. Um fogo que enfumaça a nossa volátil vaidade. Um fogo que assusta as
nossas crianças. Um fogo que seguirá incinerando a nossa esperança...
Museu Nacional. Mantenha-se firme e forte. Seja o
símbolo de resistência deste Brasil gigante pela própria natureza. Mas faça-o
levantar-se desse berço já não mais esplêndido. Faça soprar um novo vento
Brasil adentro. Convide de volta seus visitantes, estudiosos, pesquisadores e
admiradores.
E que os céus abrandem sua ira e aceitem que cada
brasileiro seja um depositário das memórias nacionais. Pois, o esquecimento é o
coveiro da história. E será mais uma tragédia permitir que o deszelo e o
descaso lancem suas labaredas sobre nossa sorte. Melhor seria suplicar ao
destino que cavasse a nossa derradeira alcova, sete palmos abaixo do solo
pátrio.
Oh minha pátria amada! Não quero para ti a profecia
apocalíptica de Ignácio de Loyola Brandão, no título de seu mais novo romance:
“Desta terra nada vai sobrar, a não ser o vento que sopra sobre ela”.
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