sábado, 27 de janeiro de 2018

FRUTOS ADOCICADOS (Maciel Souza)




FRUTOS ADOCICADOS
(Maciel Souza)

Meu vizinho outro dia me chamou: Maciel, venha cá! Quero lhe mostrar uma coisa! Entramos casa adentro e antes de chegarmos ao seu quintal me surgiram vários pensamentos tentando lembrar o que fiz ou o que foi para além dos muros que nos separam. Enfim... alívio 1: Olha Maciel que coisa bonita! Pena que só faz florir, não segura um fruto sequer.

Explico: Nasceu um pé de maracujá em meu quintal que foi crescendo e se estendeu até o quintal de seu Arlindo. Adriana chegou a conversar com Sônia, sua filha, temendo que a planta incomodasse. Sônia quis a sombra e recebeu ainda a promessa de que os frutos que por lá vingassem seriam dela. Bom para ambas as partes, seu Arlindo me apresentou agora os frutos seguros e adocicados de nossa amizade, cuja admiração não nos é de hoje. 

Quando eu era criança nos envolvemos num fato inesquecível. Foi depois da aula no Grupo Escolar, hoje a Escola Estadual Manoel Medeiros II. Vários meninos tirávamos “o juízo” de uma moradora em sua calçada com jogo de prata, que era proibido. Seu Arlindo, o soldado da cidade surgiu do nada e da esquina de seu Pedro Lopes correu em nossa direção. Eu fui o único que não correu. Ele se aproximou, meu coração disparou e foi recolhendo tudo mais que lhe restara: uma mistura de cadernos, lápis, sandálias e moedas.

Naquele tempo ainda nem se sonhava com Conselho Tutelar, nem existia quem intercedesse por nós: era o soldado, eu e o regimento. Seria agora em tenra idade conduzido à delegacia ou levado pelo braço à presença de meu pai. De acordo com o Regimento, “regime dos pais”, eu havia cometido uma desfeita sem tamanho e vergonhoso seria ter um filho conduzido por um policial, ainda mais que da calçada daquela senhora até a nossa casa percorria-se toda a rua ou quase toda a cidade e por essas bandas naqueles dias os pais batiam sem dó: só perde a que sobe, era mais o que se ouvia.

Alívio 2: Era na verdade seu Arlindo e eu, que escolhera a terceira via: Meu fí vá pra casa... Você não é dessas coisas! Dispensou assim o reconhecimento de seus pares numa missão em que nas circunstâncias atuais eu a tornaria bem sucedida e tornou vã sua corrida de pouco mais de cem metros, a não ser por levar consigo o que recolhera dos colegas.

Destaco, porém, sua leitura ao meu processo educativo cuja formação sua se deu no contexto de uma ditadura, em meio a soldados armados, quer fossem amados ou não e quando pra muitos uma “surra” prevista no “regime dos pais” talvez marcasse mais. Intervenções como esta são por mim emolduradas, cujas sequelas são marcas positivas que espero sempre comigo, pois nenhum esforço farei para livrar-se delas, além de que me ajudam a desarmar certos conceitos formados à base de ferro e fogo.

Mas não é só isso o que penso de seu Arlindo e ele não cabe num texto só. Há cinco anos já escrevi sobre minha vó Maria, meu sogro Manoel Gomes e seu Arlindo em “Símbolos da Minha Rua” e tomara que o pé de maracujá se torne o maior maracujazeiro do mundo, cuja sombra e flores simbolizem e divulguem o tamanho de nossa amizade.

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