quarta-feira, 16 de agosto de 2017

Apenas mais uma de dor - Cecília Nascimento


Apenas mais uma de dor

Chego em casa exaurida, a sensação que me toma não sei se é de fome ou de aflição; talvez um misto de ambas. Sigo uma das minhas filosofias de vida que diz que “quando comemos, cinquenta por cento dos nossos problemas se resolvem”, quem me conhece já ouviu tal máxima. No entanto, ao afastar o prato e jogar este corpo quase vivo na cama, quase perdido pela bagunça do quarto, da casa, da vida, percebi que não era apenas a barriga que estava cheia (plano alimentar, por que não consigo te seguir?!), mas trazia também o coração e a mente abarrotados de angústias e tão cheios que não deu outra, ou transbordaria no papel ou as lágrimas dariam conta do recado. O recado veio de ambas as formas, pois há sensações que de tão abrangentes pedem reações mais exageradas.
Hoje não quero nada; apenas aquilo que não posso. Hoje não quero nada; nada do que me está à disposição. Hoje não quero nada; nada do que já sinto há anos. Já disse que não quero nada; apenas restar-me aqui nesse quarto meio escuro, nessa cama meio vazia... o que me faz lembrar de uma vida meio satisfatória, exercendo funções meio agradáveis numa rotina meio adequada, com pessoas meio presentes...
E de aos poucos me contentar com pouco, com o copo de água limpa no fim do expediente, com o boa noite frio dos vizinhos cujos nomes eu nem sei, com os olhares desconhecidos que me catalogam a cada rua que passo, eu venho me sentindo tão pouca... tão pouca coisa, tão pouca mulher, tão pouca mãe, tão pouca profissional, tão pouco ser vivo, tão pouco feliz...
A Meireles “aprendeu com a primavera a deixar-se cortar e a voltar sempre inteira”, mas esta Nascimento que vos escreve, apesar de ter renascimento no nome, precisa aprender a florescer em meio à seca da vida severina que nos habitua a nos contentarmos com tão pouco e mesmo que aparente por fora ser cacto e não agrade tanto aos rígidos preceitos de nossa tão exemplar sociedade, traga dentro de si a água que lhe é peculiar, capaz de lhe manter de pé por longas estiagens. Talvez esse cacto aqui dê flor, talvez seja alimento ou mate a sede a algum peregrino que a vida lhe apresente ou já apresentou... Só espero que a exemplo das cecílias, não se permita cortar a tal ponto que a primavera não mais volte a brilhar em seus ramos, em seus olhos, em seu peito...
A tarde avança... ainda estou de barriga cheia, mas a alma já se mostra bem mais leve... Que esse papel leve de mim aquilo que já não me cabia. Estão servidos?

Cecília Nascimento
16/08/17 – 14h33min.
De barriga cheia e coração mais cheio ainda...


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