Apenas
mais uma de dor
Chego em casa exaurida,
a sensação que me toma não sei se é de fome ou de aflição; talvez um misto de
ambas. Sigo uma das minhas filosofias de vida que diz que “quando comemos,
cinquenta por cento dos nossos problemas se resolvem”, quem me conhece já ouviu
tal máxima. No entanto, ao afastar o prato e jogar este corpo quase vivo na
cama, quase perdido pela bagunça do quarto, da casa, da vida, percebi que não
era apenas a barriga que estava cheia (plano alimentar, por que não consigo te
seguir?!), mas trazia também o coração e a mente abarrotados de angústias e tão
cheios que não deu outra, ou transbordaria no papel ou as lágrimas dariam conta
do recado. O recado veio de ambas as formas, pois há sensações que de tão
abrangentes pedem reações mais exageradas.
Hoje não quero nada;
apenas aquilo que não posso. Hoje não quero nada; nada do que me está à
disposição. Hoje não quero nada; nada do que já sinto há anos. Já disse que não
quero nada; apenas restar-me aqui nesse quarto meio escuro, nessa cama meio
vazia... o que me faz lembrar de uma vida meio satisfatória, exercendo funções
meio agradáveis numa rotina meio adequada, com pessoas meio presentes...
E de aos poucos me
contentar com pouco, com o copo de água limpa no fim do expediente, com o boa
noite frio dos vizinhos cujos nomes eu nem sei, com os olhares desconhecidos
que me catalogam a cada rua que passo, eu venho me sentindo tão pouca... tão
pouca coisa, tão pouca mulher, tão pouca mãe, tão pouca profissional, tão pouco
ser vivo, tão pouco feliz...
A Meireles “aprendeu
com a primavera a deixar-se cortar e a voltar sempre inteira”, mas esta
Nascimento que vos escreve, apesar de ter renascimento no nome, precisa
aprender a florescer em meio à seca da vida severina que nos habitua a nos contentarmos
com tão pouco e mesmo que aparente por fora ser cacto e não agrade tanto aos
rígidos preceitos de nossa tão exemplar sociedade, traga dentro de si a água
que lhe é peculiar, capaz de lhe manter de pé por longas estiagens. Talvez esse
cacto aqui dê flor, talvez seja alimento ou mate a sede a algum peregrino que a
vida lhe apresente ou já apresentou... Só espero que a exemplo das cecílias,
não se permita cortar a tal ponto que a primavera não mais volte a brilhar em
seus ramos, em seus olhos, em seu peito...
A tarde avança... ainda
estou de barriga cheia, mas a alma já se mostra bem mais leve... Que esse papel
leve de mim aquilo que já não me cabia. Estão servidos?
Cecília
Nascimento
16/08/17 – 14h33min.
De barriga cheia e coração mais
cheio ainda...
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