quinta-feira, 24 de março de 2016

Monturo da Lembrança - ZÉFerreira


Monturo da Lembrança

Duas pedras na mão, um brusco toque
E a faísca acendia o algodão
Que num chifre ficava em combustão
Prá acender um cigarro: o Currimboque.
Essa imagem me faz com que evoque
Fragmentos do tempo de criança
E a saudade tecendo a sua trança
Já me leva até mesmo sem querer
A andar nas ruas do meu viver
Remexendo “o munturo da lembrança”

Que beleza era o meu despertador:
Passarada saudando a invernia
Ritmada ao martelo que batia
Na enxada do velho agricultor.
E antes de deixar meu cobertor
Prá ajudar ao meu pai com a “finança”
Uma prece elevava na esperança
De que a vida pudesse melhorar
Os meus olhos estão a marejar
Remexendo “o munturo da lembrança”

Numa lata, farinha, carne assada
e pedaços torrados de galinha.
Padre nosso, bendito e ladainha,
de um banco de tábua acolchoada.
uma carroceria encapotada,
transportando a fé, a esperança
Canindé, Juazeiro... ô festança!
E eu aqui viajando a toda pressa
Com vovó, pra pagar uma promessa,
Remexendo o monturo da lembrança.

Foi num carro de lata de sardinha
Com roda de tampa de guaraná
Que me pus na estrada a viajar
E o limite era a casa da vizinha.
Mas o sonho daquela criancinha
Era ir onde a vista não alcança
Com os frutos de um par de aliança
Vou, de férias, rever minha cidade
Dirigindo um carro de verdade
Remexendo o monturo da lembrança

José Ferreira Santos

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