segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

CARTA A MEU JUIZ (Resenha) - Nailson Costa



Há homens que levam a vida toda a depender dos cuidados de uma mulher, mãe, quando criança e adolescente; esposa, quando adultos, a ponto de sua própria sombra não se fazer notar, inclusive por ele próprio, com o passar dos tempos

Há mulheres que sentem a necessidade, até maternal, de comandar, de administrar a vida doutrem, esposo ou filhos, dedicando-se, exclusivamente a eles e se esquecendo, inclusive, de viver a sua própria vida.

CARTA A MEU JUIZ, romance psicopassional, mais psicológico do que passional, de Georges Simenon, escritor belga do século passado, é ambientado na França do século XVIII e se propõe a essa viagem no labirinto psicológico de seus personagens.
Romance escrito em primeira pessoa pelo protagonista Charles Alavoine, seu enredo não adentra os meandros de seu crime, com investigações policiais, mistérios, suspeitas em potencial, testemunhas, debates intensos e acalorados entre as partes envolvidas etc, e não se caracteriza como sendo romance policial. 

Charles Alavoine, médico, viúvo, 40 e poucos anos de idade, pai de duas, garotas e responsável por sua mãe, que não apenas administra a vida de suas netas, como, também, a dele, comete um crime e escreve, na prisão, uma carta para o “seu juiz”, não para pedir perdão por seu crime cometido, nem apresentar quaisquer contestações à acusação lhe feita, até porque é réu confesso e não pretende obter do magistrado uma possível sentença absolutória, escreve uma carta a seu juiz, no entanto, para desabafar, dizer-lhe de sua angústia, de não ter sabido viver a vida de forma plena, deixando-se levar pelos cuidados de excessivos de duas mulheres, sua mãe e Armande, mulher elegante, também viúva, extremamente educada, com quem se casara, não por amor, mas por necessidade de suas filhas ter uma mãe dedicada, presente, amorosa e tomadora de absolutamente todas as decisões, econômicas, familiares e, sobretudo, pessoais, de todos da família, sobretudo, de Charles, que não enxergava, além de sua rotina de médico medíocre, a sua própria sombra.

Charles conhece Martine, jovem de vida desregrada e de amores muitos, por quem nutre uma paixão arrasadora e doentia, separando-se de Armande, para viver, agora sim, depois de mais da metade de sua vida, viver com todas as forças de sua paixão, uma vida verdadeira, roubada por duas mulheres, sua mãe e Armande.
Martine, essa terceira mulher, não é dominadora, não dá as determinações domésticas, econômicas, sociais e pessoais na vida de Charles, pelo contrário, se mostra submissa e em tudo é o oposto das mulheres anteriores dominadoras de Charles... Martine não era dominante... não era? Charles nascera para viver sem vontades suas e ser presa fácil dos fantasmas femininos? 

Com 207 páginas e de leitura agradabilíssima, CARTA A MEU JUIZ é uma verdadeira obra-prima da literatura universal, não pelo seu desfecho, de certo modo previsível, mas pelo ritmo intenso dado às ações passionais na narrativa e, sobretudo, pela brilhante análise psicológica (falta de determinações, seus arrependimentos, sua mente doentia etc) de seu personagem central. 

(Nailson Costa, 01.02.016)

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