domingo, 10 de janeiro de 2016

A cruz do Inharé - José Rosemilton Silva


Há algumas controvérsias sobre a lenda da Cruz do Inharé, o fato é que ela existiu e teria transformado a povoação em próspera de água boa e riquezas. Havia duas devoções no ainda não povoado: a inharé, que era considerada uma árvore milagrosa mas ao mesmo tempo perigosa e a Santa Rita de Cássia, hoje ainda muito presente na população católica.

Quanto a Inharé os habitantes, como conta a lenda, tratavam-na com muito cuidado já que era sabido que a quebra de um simples galho da planta faria com que dela jorrasse sangue e maldições que afetaria diretamente a vida dos moradores como a falta de água, pestes e não produção de alimentos.
Pelo que se pode depreender nos poucos escritos existentes sobre aquele período - e estou me referindo ao século XVII embasado no livro de Memória Histórica de Santa Cruz, escrito pelo monsenhor Severino Bezerra -, a água não era boa o que inviabilizava a produção agrícola e o consumo humano, embora fosse abundante e por isso mesmo os irmãos João e Lourenço da Rocha Freire, donos das terras, preferiram se transferir do lugar denominado Cachoeiro, próximo a atual Lajes Pintadas, para as ribanceiras do Trairí.

Da lenda é possível dizer que, aos poucos, foram chegando outras famílias mas, ainda assim, não havia tanto progresso até que um dia, chega um frade Franciscano Capuchinho que resolve dar uma nova conotação a inharé quebrando um galho e fazendo dele uma cruz chantada em frente a capela onde foi cavado um buraco para enterrar as armas dos habitantes e, com isso, o inharé não sangrou, fez jorrar água boa em fontes gerando fartura e prosperidade.

Da história reproduzo textualmente monsenhor Severino Bezerra.

“Desde os tempos de Santa Cruz, povoado, foi feito um marco de fé e religiosidade do povo, a existência de um grande Cruzeiro, em frente à Igreja Matriz. Era uma grande Cruz, apoiada num pedestal bem alto, de alvenaria de forma oitavada. A cruz ostentava em relevo os emblemas da paixão de Cristo: a corôa de espinhos, os cravos, a lança com a esponja e outros. Não se tem como certo a data de sua colocação em frente a Igreja, pela sua antiguidade. Com facilidade pode-se julgar que a origem do Cruzeiro seja o tempo das missões dos antigos padres Franciscanos do século passado: Frei Serafim, Frei Herculano e outros que deixaram vestígios de Santas Missões e, como sinal evidente, os cruzeiros. No povoado de Santa Cruz, essa cruz elevada firmou no coração dos habitantes do povoado, vila e cidade, uma grande devoção à Cruz. E era chamada com este título “A Divina Santa Cruz”, onde a piedade do povo fazia com que todas as noites, uma luz de candeeiro permanecesse acêsa e aí as pessoas faziam orações. É opinião de alguns, que o nome ‘Santa Cruz’, dado ao lugar, foi proveniente da existência desse cruzeiro. Em 1919, o vigário de Santa Cruz, padre José Mendes, teve a idéia de transportar a referida cruz, para um monte pouco elevado, bem a vista da cidade, situado à margem direita do rio Trairí. No momento da retirada da cruz, devido a sua antiguidade de quase um século ali posta, o pé da cruz estava estragado pelo tempo e não resistiu à mudança, ficando em pedaços. Foi preciso, então, outra cruz, que foi introduzida no alto do monte. Uma cruz mais simples, mais leve foi colocada nele e benta a 28 de outubro do mesmo 1919, formando-se, assim, um local de romaria constante. No alto do monte a cruz, devido o pedestal ser pequeno, não resistiu por muitos anos. Porque açoitada por ventos fortes, foi jogada ao chão. Com a queda da cruz, a mesma foi conduzida para a Igreja Matriz e ali permaneceu por mais de um ano, no corredor da Igreja. Outras tentativas foram feitas para a conservação da cruz, no alto do monte. A 3 de abril de 1953, em procissão presidida pelo vigário Mons. Emerson Negreiros, a Cruz voltou ao monte e aí ela foi posta apoiada com arames presos no chão para que podesse sustentar-se batida pelos ventos.

Na construção da nova Matriz de Santa Cruz, em 1954, os alicerces chegaram onde esteve o antigo cruzeiro e nas escavações foram encontradas armas antigas, facas, facões e outros instrumentos, todos danificados pelo tempo e pela ferrugem. Igual quantidade de armas antigas foram encontradas na Serra de São Bento, quando da demolição de um velho cruzeiro situado em frente a capela. Com esse material encontrado vem a prova bem notada de que o cruzeiro, que permaneceu por tantos anos em frente a Matriz de Santa Cruz, foi obra dos missionários do século passado, os padres Franciscanos Capuchinhos”.

Assisti as escavações e vi boa parte destas armas que foram enterradas no Monte Carmelo ou Alto do Cruzeiro, hoje o Santuário de Santa Rita de Cássia. Estas armas, mesmo enterradas lá e em estado bem desgastado não foram encontradas durante as escavações para a construção do Santuário. Um outro aspecto, que poucos lembram, era a imagem de Nossa Senhora do Carmo, bela, bem esculpida em madeira e que foi trocada por uma imagem desprovida de qualquer esmero artístico, assim como os ex-votos que foram levados. Há quem diga, e eu não posso afirmar, que tudo foi levado por um ex-dirigente do Instituto do Patrimônio Histórico Nacional no Rio Grande do Norte. No entanto, a exemplo do roubo da Coroa de Santa Rita de Cássia, há boatos que nunca foram comprovados.


O fato é que já não há mais árvores do inharé conhecida na região. Temos tentado conseguir mudas na Amazônia. Por outro lado, o Santuário de Santa Rita de Cássia recebeu há pouco tempo a doação de uma muda da planta produzida pela santa-cruzense, Rezilda Agripino, filha de Manoel Agripino que vem a ser irmão de José, ambos foram moradores da rua Daniel. A casa de José Agripino ainda hoje existe na denominada rua Augusto Severo que também chama-se Mossoró.

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