terça-feira, 30 de junho de 2015

ENTREVISTA COM ROSEMILTON SILVA: poeta, letrista, jornalista, repórter, fotógrafo e escritor potiguar





1. GCS: Caro Rosemilton Silva, com base no testemunho de alguns apologistas culturais e artistas insuspeitos - Hélio Crisanto e Nailson Costa, por exemplo – você é de grande importância cultural para Santa Cruz e região. Tive oportunidade de ver alguns escritos seus, duas composições belíssimas, e deu pra sentir a importância de resgatar sua história. Gostaria que iniciasse essa entrevista/conversa, falando-nos de suas origens e raízes culturais. Situe-se histórica e geograficamente.

R.S: Bom, fico feliz em ser entrevistado pelo blog. Na verdade, quando meu pai, Manoel Ferreira da Silva, mais conhecido como Mané da Viúva – que tem o mesmo nome de outra grande figura, Mané Pataca – “roubou” minha mãe, Rosa Venceslau da Costa, no ano de 1948 levando-a para morar em Assu, não demorou muito tempo e, em 12 de outubro de 1949 nasci naquela cidade, dita dos poetas. A minha mãe costumava dizer quando nascia uma criança em Assu, jogava-se um bolo de barro na parede: se ficasse pregado seria poeta, se caísse, cachaceiro. Acho que o meu bolo nem ficou pregado nem caiu, porque não dei pra nenhum dos dois. Mas após seis meses do meu nascimento meu pai voltou para Santa Cruz onde me registrou e batizou, daí a identidade total com Santa Cruz e nenhum vínculo com Assu que só vim a conhecer rapidamente na década de 70, numa excursão da Escola Normal e praia de Tibau. Há algo que eu considero interessante. Só vim descobrir o padre que me batizou quando fui tirar o batistério para me casar. Tinha sido celebrado por padre Raimundo Gomes Barbosa, coadjutor de padre Alair Vilar naquele começo do ano 50. Portanto, a minha identidade com Santa Cruz é bem maior que com Assu, uma vez que só nasci lá. Moramos durante muitos anos na Rua Ferreira Itajubá, onde ficava a roleta do jogo do bicho de Zé Galego, os armazéns dos feirantes, a bodega de Zé Abdias, nossa casa de frente para a Travessa do Sol, o marceneiro e meu compadre, Arnaldo Moreira, os Germanos – Chiquinha do Acordeon, Zé e Manoel de Elias, Zé do Côco (hoje Germano Júnior), a bodega de dona Chiu. A nossa casa, que depois foi de Edvaldo Umbelino e agora pertence a uma prima minha, era uma das poucas na cidade que tinha um sótão. Como muitos, fiz o primário no Grupo Escolar Quintino Bocayuva e estudei particularmente com Neném Galdino, o ginásio no Comercial e no Ginásio Agrícola de Currais Novos. Fui funcionário da Prefeitura Municipal de Santa Cruz e da Junta de Serviço Militar, onde escrevi vários relatórios “Ultra Secretos”, sob a orientação do então capitão Ricardo, contra mim e padre Raimundo, que acredito nunca saíram da gaveta do capitão. Não foram registrados, nem mesmo o dia em que enfrentei o Secretário Estadual de Educação, o santa-cruzense, Jarbas Bezerra, incitando os estudantes a virarem o carro oficial que estava estacionado em frente a Junta de Serviço Militar. Assim, começo parte da minha história.

2. GCS: Relate um pouco de sua trajetória artística e profissional. Profissionalmente, o que faz hoje? Tanja a modéstia que lhe é peculiar para bem longe e seja pródigo nas palavras, pois temos sede de escutá-lo.

R.S: Gilberto, desde pequeno tinha queda pela música. Fui aluno do “mestre” Oscar, onde comecei tocando clarinete. Mas o tempo me levou para a bateria. Um dia, um grupo formado por Deusdeth no sax e Marcelo Pereira na bateria – não lembro os outros componentes, infelizmente - estava ensaiando e comecei a aparecer por lá, fui me afeiçoando a bateria e acabei no lugar de Marcelo porque ele desistiu, já que o cartório do pai dele, João Ataíde, pedia mais e mais a sua presença. Também comecei a aprender violão juntamente com o hoje engenheiro agrônomo aposentado do Ministério da Agricultura, José Domingos de Oliveira. Era uma coisa de autodidatismo. A música foi ficando e me levando para vários caminhos. Fui da primeira formação do grupo The Red & amp; Black, que contava com Renato Azevedo como líder na guitarra solo, Deusdeth Araújo no sax, João Batista Borges – Joca Lindo – na guitarra base, Antônio Ramos no baixo e, eu, na bateria. Depois o grupo ganhou o nome de Os Impossíveis, num pedaço de manhã já próximo ao meio dia, quando estávamos sentados em um dos bancos da praça antiga e ouvimos Francisco de Assis Dias Ribeiro, o professor Ribeiro, invocando Santa Rita de Cássia, a Senhora dos Impossíveis. Ainda hoje tenho saudades de nossas serenatas, eu, João Bosco de Oliveira, Manoel Soares Filho (Manu) e o arrependimento de não ter aprendido tocar sanfona, já que meu pai havia comprado uma pra mim.

Fui sempre um leitor voraz. Quando acabava a luz elétrica, por volta das nove horas da noite, acendia o candeeiro e continuava a leitura. O gosto pelas letras me foi dado por minha diretora escolar, Maria Celestina da Silveira, nossa dona Maroquinha e incentivado por monsenhor Emerson Negreiros. Adorava um rádio. Não perdia a novela “Jerônimo, o herói do sertão”, na Rádio Clube de Pernambuco nem as notícias da BBC de Londres, ritual herdado do rádio de doutor Jonas Leite, um advogado que morava numa casa de frente a que hoje funciona como biblioteca e que pertence a família de Severino Rodrigues, Severino Colete, que foi meu sogro quando estive casado com Conceição de Maria Rodrigues, Cita. Antes da novela, e ainda hoje me vem a lembrança da vinheta que tocava para anunciar às seis horas da noite.

O rádio entrou em mim a partir da difusora de Theodorico Bezerra, que tinha como principal locutor Nivaldo dos Correios – não lembro o sobrenome dele. Aos poucos fui me chegando e passei a ser controlista, rodando os sucessos do momento. Depois, e aí seria preciso abrir um parêntese enorme para explicar que já tivemos a primeira rádio pirata nos anos 60, uma AM montada num chassi de amplificador da RCA e que foi fechada pelo Exército, acredito que no final de 64, em plena manhã do sábado quando Zito Borborema e Chiquinha do Acordeon faziam seu programa ao vivo, nas dependências da Prefeitura.

Sai trabalhando em várias profissões: funcionário municipal, bancário, chefe de almoxarifado e, finalmente, me encontrei no jornalismo.
Comecei no Diário de Natal fazendo uma coluna sobre a região do Trairí e onde até arranjei alguns inimigos mas o número de amigos foi maior. Fui fazer o mesmo em A República onde cobria as regiões do Trairí e Seridó, jornal que chegava em Santa Cruz cedo e que eu mesmo saía vendendo, apregoando logo cedo. Da República fui demitido pelo diretor Nilson Patriota por causa de uma matéria que dava conta da existência de uma rádio em Santa Cruz e que nunca foi montada na cidade e sim em Natal. Era a Radio Trairy, na frequência de 1590 Khz. Mas foi esta matéria que deu origem a um processo de transferência da concessão de Santa Cruz para Natal, mudando a frequência e muito tempo depois abrindo espaço para a frequência que deu origem a Rádio Santa Cruz, AM, 1590 Khz, cuja concessão foi vencida por Iberê Ferreira de Souza que me deu a honra de poder montá-la.

Quando fui demitido d´A República, ouvi de Nilson Patriota – que era meu amigo, mas muito mais amigo de Theodorico Bezerra que o havia colocado lá -, que minha carreira de repórter acabava alí, naquele momento. O que me preocupava, naquele momento, não era isso e sim o que poderia acontecer com Conceição Almeida, minha editora e que decidira publicar a matéria. Quando fui descendo a escada, depois de uma rápida conversa com Ceiça que me tranquilizou, encontrei o namorado dela, Carlos Morais – o melhor editor de esportes do RN que eu conheci -, contei a ele o que estava se passando. Ele me perguntou: “Quer ir trabalhar no esporte da Tribuna?” Aceitei de pronto, claro. Na tarde daquele mesmo dia já estava subindo as escadas da velha e boa redação. Acompanhei as mudanças da TN, saindo da Linotipo para o offset, colorido. Ao mesmo tempo, participava da programação da TV Universitário como repórter e apresentador de um programa musical denominado “De Bach em Bar” e que depois passou a se chamar “O Choro da sexta”. Na TN, fiquei muito tempo por lá, inclusive sendo comentarista esportivo e repórter da Rádio Cabugi. Foi especificamente pra mim atuar no horário da manhã com Gerson Luiz, que foi criado o Faixa Verde, uma Brasília amarela com um equipamento chamado Motorola, a marca do transmissor.

De lá, por ironia do destino, fui trabalhar na Rádio Trairy, quando da transição do “majó” para os Maia, situada na avenida Um, no Alecrim. Depois, transferida para a Romualdo Galvão, onde funciona até hoje, quando virou Sistema Tropical de Notícias. Foi nesse período que montei a Rádio Santa Cruz e participei da instalação da FM Cidade do Sol, hoje Cidade, 94.3, onde até hoje dou “pitacos” por concessão do amigo Haroldo Cavalcanti de Azevedo.

Da Tropical, fui para a TV Potengi, quando da inauguração do canal repetidor da Bandeirantes, levado pelas mãos do jornalista Antônio Melo, irmão de Geraldo Melo. Foi um tempo de revolução no jornalismo televisivo do estado. Assim como na Rádio Tropical que conseguiu derrubar a maior audiência da hora do almoço que era a “Patrulha da Cidade” na rádio Cabugi. O programa da Tropical tinha jornalistas de muito peso: Ricardo Rosado (editor), Maurício Pandolphi e o diretor e jornalista Jânio Vidal, no estúdio. Eu na rua com o suporte da redação formada por nomes do quilate de Josimey Costa, Ciro Pedrosa, Casciano Vidal, Iranilton Marcolino e Givaldo Batista.

Depois passei a editar o jornal Dois Pontos, onde eu já vinha sendo colaborador. Infelizmente morreu em minhas mãos. Fui para o Jornal de Hoje onde fiquei por quase dez anos e continuei ao longo de todo esse tempo, desde o início da fundação, na Rádio Cidade. Nos anos 2000, fui para a TV União, com o programa Carro e Campo que, como o próprio nome insinua, fala dos dois assuntos. Ainda continuo fazendo assim como escrevendo sobre automóvel na revista Foco Nordeste, desde o seu início.


3. GCS: Sendo um compositor brilhante, em dado momento você foi surpreendido por um gesto covarde e resolveu por de parte seu talento (Ver: Desabafo de um grande artista);  fale-nos sobre esse acontecimento e diga-nos, na conclusão, se hoje se arrepende da reação que se permitiu ter.

R.S: Gilberto, é difícil falar sobre este assunto. A poesia me chegou através de Maroquinha e de um amigo de primário e ginásio, Wellington Ribeiro. Ele era um excelente poeta e achava que eu também daria para tal. Fiz alguns “livros” de poesias que dava a algumas pessoas. Não tenho ideia e nem sombra por onde eles andarão ou se mesmo ainda existem e, se sequer, as pessoas leram.
A questão da composição musical eu não me arrependo de ter feito o que muitos acham que não deveria. Mas foi cruel, foi ver sua música na capa do jornal mais importante do país naquela época (Jornal do Brasil), no caderno de cultura mais respeitado (Caderno B) entre dois monstros da música brasileira (Pixinguinha e Alan Brum) e não constar o seu nome, o dono da letra e, apenas a citação de Rogério do Maranhão que musicou a letra de “Terra Seca”. Foi essa música que apareceu na matéria de capa do JB e que tinha como manchete “Pixinguinha fora do MPB”, um festival promovido pela Globo e que se chamava MPB Shell, patrocinadora do evento anual. A música havia sido censurada como as de Pixinguinha e Alan Brum. Dá pra ver que fiquei muito envaidecido por constar uma letra minha ao lado de monstros sagrados da composição musical brasileira. O resgate do meu nome só foi feito porque ganhei a ajuda de Jarlene Maria, uma currais-novense de poesia requintada e sanfoneira de primeira linha e que me apresentara ao maranhense. Com ela, fui ao Forró Forrado onde meu amigo, Vital Farias, ensaiava uma de suas peças e, para azar de Rogério, ele iria lá naquela noite. Não sei se me arrependo de ter decidido não mais compor. Hoje há incentivo para me demover da ideia. Até mesmo Adelzon Alves, grande comunicador da madrugada na Rádio Globo, que tocou a música e classificou-a como uma das melhores daquele ano. Não demorou, e ele recebeu a expressa ordem para tirar do ar e não mais tecer qualquer comentário. Isto reforçou a ideia de parar por ali. Tenho até uma música inacabada que, outro dia, depois do incentivo de Hélio Crisanto, terminei a dita cuja. Qualquer dia gravo e mando pra vocês ouvirem.

Os meus anos de adolescência e amadurecimento me deram a oportunidade de testemunhar fatos importantes em Santa Cruz. Um deles, e que sempre me marcou muito, foi ver Pedro Severino liderando grupos de agricultores famintos. É isto que está relatado num “livro” escrito e com algumas fantasias para dar molho. Criando personagens inexistentes, mas com possibilidade de vibrações e de reconhecimento. Toda vez que leio, acho que está inacabado. Que algumas personagens poderiam se sobressair, como o bêbado Rompe Ferro. É um caso a ser estudado, uma vez que nunca tive a pretensão de ser escritor.

4. GCS: Fale-nos do convívio que teve com bons e maus artistas ao longo de sua vida. Que visão tem hoje do meio artístico?

R.S: Eu tive pouca experiência no convívio com artistas. E os poucos com quem me relacionava me sentia muito bem. O fato de ter sido editor do Segundo Caderno da Tribuna do Norte me dava esta oportunidade. Conheci muitos artistas plásticos, escultores, mamulengueiros, brincantes, poetas populares, repentistas, músicos, cantores, atores e atrizes entre outras atividades culturais. Tenho um carinho especial por um filho de Santa Cruz, o artista plástico Nivaldo Vale, não apenas por termos sido meninos na mesma rua, mas sobretudo pela qualidade do trabalho dele. Mágoa? Talvez uma que nem vale a pena ser contada. Mas se você me perguntar onde eu aprendi a gostar, eu digo que foi no meio da feira, ouvindo cegos, repentistas, o “homem da cobra” e, um em especial, Antonio da Ladeira, nosso melhor e mais empolgante brincante de Boi-de-reis.


5. GCS: Conforme já demonstrado em postagem do blog, "IMAGENS COM POEMAS", você tem grande amor pela fotografia, e soube captar com maestria diversos quadros naturais, eternizando instantes. Fale-nos da parceria com Paulo Varela; não esqueça de relatar algo sobre seu pai, da importância dele para nossa cultura e das influências que teve em sua vida.

R.S: A fotografia, Gilberto, foi quem me deu de comer e beber grande parte da minha vida. Meu pai era o fotógrafo da região. Com ele, eu rodava nos domingos de missa em Campo Redondo, Lajes Pintadas, Sítio Novo, Japí, São Bento do Trairí, Coronel Ezequiel. Meu pai era analfabeto, mas um homem de muita inteligência. Foi importante na minha formação como homem já que a cultural veio de minha mãe. Mané da Viúva fotografou muita gente importante na cidade, mas era o povão que ele adorava receber no “estúdio” montado ao lado do mercado, na Rua Ferreira Itajubá, e do lado da igreja nas outras cidades, uma única mudança era em Campo Redondo onde a lambe-lambe era montada na parede da loja de tecidos de Manoel Norberto, seu amigo pessoal. Tinha um dom especial para dizer obrigado a Santa Rita. Era “gritar” o leilão de Santa Rita. Até hoje ninguém consegui substituí-lo. O ruim é que esta memória vai se apagando, hoje poucos sabem quem foi ele, o que deverá acontecer comigo. Mané da Viúva foi fotógrafo das famílias Bezerra, Ferreira de Souza e Fiúza, na geração que deu a cidade deputados estaduais, prefeito da capital, deputados federais e dois senadores. Tomei gosto e revelava minhas próprias fotos com “banhos” feitos por mim e depois substituídos por soluções já prontas quando fotografava também para A República, algo que hoje a gente nem faz mais, mas gostaria de fazê-lo. Eu tenho um carinho especial pela fotografia. Não me reputo um grande fotógrafo. Não sou. Tem muita gente melhor que eu ai mesmo em Santa Cruz. E bote gente boa nisso! Todos congregados na associação. A fotografia começou cedo, ainda no lambe-lambe feito por papai. E fui aprendendo a lidar com as novas tecnologias com uma Roleyflex que ainda hoje, minha irmã Régia, tem em sua casa. Apareceram as Canon e Nikon e fui me adaptando. A flor só veio nos últimos vinte anos, quando fazia a assessoria de comunicação da Secretaria Estadual da Agricultura.


7. GCS: Naílson Costa, que muito o admira, relatou-me que foi seu aluno de francês.  Diga-nos algo, vindo lá do coração, sobre o tempo em que foi professor.

R.S.: Fui convidado por Francisco de Assis Dias Ribeiro a lecionar francês em seu lugar. Ribeiro era um homem de muita inteligência, sabia muita gramática – uma necessidade nas línguas neo-latinas, como o português e o francês. Embora fosse bom na matéria eu não tinha muita segurança como professor. Fora a minha primeira experiência e, até hoje, algumas pessoas lembram. Foi uma excelente experiência porque aprendi muito com os alunos. Comportamento e disciplina, vontade de aprender, algo que anda meio sumido em grande parte do alunado, infelizmente. Guardo boas lembranças do período de professor e de alunos com quem me relacionei.

8. GCS: Vivemos numa época de bastante religiosidade. Para bem ou para mal, o poder da fé tem influído nas decisões locais e mundiais. Tenho em mente a letra de “Eu Vi Deus” e é a partir dela que lhe pergunto o que tem a nos dizer a esse respeito. O que resta, no Rosemilton de hoje, da formação religiosa recebida na infância?

R.S: Venho de uma família muito religiosa. Meus tios e meus pais. A minha mãe, pouca gente sabe, foi devota de Santa Rita e, depois, foi evangélica da Assembléia de Deus, o que nos deu uma convivência muito boa. Quem me conhece sabe da minha devoção a Santa Rita. A religiosidade foi aprofundada no seminário e na minha convivência com padre Raimundo. Ando em débito com minha devoção. A doença tem me afastado da convivência com a celebração da Coroa, celebração que frequentava com assiduidade.

9. GCS: Sua vida teve uma dimensão política profunda. Você viu o poder nos bastidores e isso me parece refletido em sua obra Os Esfomeados. Fale-nos de política a partir de sua experiência.  Sinta-se à vontade para citar positiva ou negativamente nomes de figuras importantes do meio político com quem conviveu.

R.S: Na verdade foram conversas ouvidas na casa dos meus pais. Não tenho a cultura política que Chagas Lourenço tem, nem tampouco a memória privilegiada dele. Entre os anos 50 e 60, ouvi muitas conversas, muita discussões e decisões. Até me aventurei na política. Fui vereador por obra e graça de Lula Farias, a quem tinha muito respeito. Mas não aguentei muito tempo. Acho que só fiquei coisa de oito meses. Não era a minha. Digo sempre que não gosto de política e acabo me metendo onde não sou chamado. O livro realmente tem componentes políticos que se identificam com a época. Pedro Severino liderando agricultores famintos. Políticos se locupletando das verbas que vinham para diminuir a fome. Não gosto de lembrar daquele tempo, das injustiças daquele tempo.

10. E especificamente sobre a Santa Cruz de ontem e de hoje, o que tem a nos dizer?

R.S: Ah, Gilberto! Você não imagina com eu sou saudosista. Aqui e acolá, e até com muita frequência, me vejo andando na rua do Burro Seco, indo na casa de Cosminho; no Beco das Almas, caminhando em direção a praça, olhando diretamente para o Bar do Ponto com o sorriso de Zé Garcia; assentado na balustrada esperando as meninas passarem num rodopio sem parar; na quadra de voley de areia; na casa de dona Nuta; sendo muito bem recebido por José Dobico e seus filhos; da “sopa” de Colete no rumo de Natal ou Coronel Ezequiel; dos ensaios da banda de música na rua Daniel; das serenatas na voz de João Bosco, Dinarte, José Domingos, no som do acordeon de Breno, do clarinete de Hildebrando; do barulho de Dandiro irmão de Clodoval Medeiros; da casa de Clodoval; do banho no Poço da Vaca; na pescaria à beira do rio Trairí; do picolé de Pedro de Tico e dona Noca; da espera ao meio dia das meninas da Escola Normal; do poste de ferro na praça que dava choque quando chovia; das eleições dos grêmios estudantis; dos banhos de açude no Alívio e na piscina do Umbuzeiro; do pastoril de monsenhor Emerson; do coral da Escola Normal; da festa de Santa Rita com o carrossel de Manoel Bernardino e a sanfona de Zé Galdino; do parque São Luiz... Se for falar, vai ficar tão grande que ninguém vai ler. Hoje a cidade ganhou contornos e perdeu sua identidade. A vinda de pessoas de outras cidades deu um novo ar a Santa Cruz. Mais moderno, mais bem edificado com estrutura de qualidade a partir do governo de Tomba Farias. Hoje poucos são os que conheço e, mesmo assim, quase não os vejo.

11. GCS: Como está, no momento, seu estado de saúde? Quais as implicações disso em sua visão do mundo e da vida?

R.S: Desde muito cedo aprendi a conviver com doenças. Tive duas tuberculoses ainda quando estava na adolescência, em Santa Cruz. Não me abati e devo isto a padre Raimundo que esteve durante todo aquele tempo do meu lado. Depois veio o câncer, mas difícil de ser combatido. No entanto eu continuo lutando, sem medo e pedindo a Santa Rita que seja feita a vontade de Deus. No ano passado, a doença se agravou em função do despertar de uma hepatite C que estava adormecida e sabíamos que estava. Meu anjo foi a doutora Alana Neiva, filha do meu amigo Brito. Foi com ela e com a ajuda de Santa Rita que fiquei bom em pouquíssimo tempo. O tratamento dura, em média, um ano a um ano e meio. Fiquei curado em menos de seis meses. Outro dia conversava com padre Vicente Neto sobre esta situação e deixei bem claro que foi a ajuda de Santa Rita e a competência de doutora Alana que me deram esta cura. Mas a medicação para a hepatite e o câncer me levou ao internamento. Na UTI houve agravamento por causa de uma bactéria que foi tomando o meu corpo e quase morri. Novamente apelei para nossa padroeira. Acho que ela me deu nova sobrevida. Com relação a visão do mundo, todos nós mudamos quando temos um problema sério. Acho que devo ter mudado também.
Espero que tenha mudado, para melhor.


12. GCS: Como tem inegáveis bons gostos culturais, deixe-nos algumas dicas de livros e filmes; cite um ou mais pensamentos que você considera interessantes. Que poema e/ou música mexe profundamente com você?

R.S: Gilberto, eu ouço a música pela música. Gosto de ouvir aquilo que acho bom. Eu sou meio maluco com relação a isto. Tenho um HD externo com algo em torno de 500 GB de músicas. Isso dá algo em torno de 180 mil músicas. Há algumas músicas que me marcaram como “Prá não dizer que não falei de flores”, de Geraldo Vandré; Carcará, de João do Vale; Pobre Elisa, de Jorge Smera e Paulo Gesta, na voz suave de Moacyr Franco... Livros também são muitos, mas claro que tenho minhas predileções. Uma delas é a coleção dos escritos de Santo Agostinho e São Tomaz de Aquino. Cinema também é outra grande paixão. Nem sei quantos tenho. Doutor Jivago é um dos preferidos. Mas um que mexeu comigo foi “Um canto de esperança” que tem como título original Paradise Road, dirigido por Bruce Beresford tendo no elenco a extraordinária Cate Blanchett. Aquele que realmente mexe comigo, que já vi várias vezes, é “Les uns et les autres”  denominado em português como “Retratos da Vida”, que conta a história pós segunda guerra envolvendo filhos de artistas dos mais diversos segmentos mas centrado na música. O show do final do filme, cuja renda foi doada à Cruz Vermelha da França para auxiliar no combate a miséria na África é algo imperdível, com o Bolero de Ravel interpretado por Geraldine Chaplin e James Caan, no Trocadero de Paris, e Mikhail Baryshnikov numa performance de arrepiar. Tudo isso sob a direção de Claude Lelouch.


13. GCS: Encerro dizendo que estamos extremamente felizes por poder contar com sua colaboração em nosso blog. Deixe-nos suas palavras finais.

R.S.: Você, certamente, não está mais feliz que eu, pelas oportunidades que vocês tem me dado. O meu mais sincero agradecimento.


Um grande abraço.

5 comentários:

  1. Perguntas brilhantes e respostas brilhantes.

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  2. Magnífica, espetacular e enriquecedora entrevista!

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  3. Parabéns Gil! Rosemilton, como dissera antes, é um dos mais notáveis intelectuais de S Cruz. Li e vou ler de novo esta excelente entrevista.

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  4. Entrevista encantadora! Uma verdadeira lição de vida.

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