Trecho do romance [a ser publicado] O
Rio Trairi Remoía Sertão. Autoria de Diego Rocha – poeta, prosador e membro da APOESC
(Associação de Poetas e Escritores de Santa Cruz).
“(...) Acolá do sítio Riacho
do Feijão, está o menino Mário sentado às margens do Rio Trairi, que jaz em
areal ressequido pela grande seca do agreste potiguar. Meditativo, sozinho. No
silencioso, reparando o pôr-do-sol no além-horizonte. O Sol que esbravejava
fogo ao meio-dia, agora, pede arrego e vai se deitar detrás das Serras do
Melão. Eis que é o cair da tarde serena diante de paisagem tão bucólica. Em
cima da serra, raios multicores deslizam através de nuvens branquinhas. Lindas
em tons suaves, elas dançam a valsa do crepúsculo. Pelo arredor, brisas
sussurram suavemente por entre os galhos da algaroba apaziguando os cantares
avoaçados de ribaçãs. Encolhem-se os bichinhos e se abraçam pelo calor dos
pequenos ninhos. É expressão simbólica da natureza dos rincões deste chão
chamado Santa Cruz...
No açude, silenciosas,
pastoreiam as canoas de tábua movidas a bicadas de cachaça e baforadas de
cigarro de palha. Marola que fora medonha às 10 horas da manhã, agora, no entardecer, descansa parada sob o
enorme espelho d’água que embeleza o espaço com nuvens e serras. O céu
refletido nas águas. A camisa do pescador desbotada de suor tonaliza com o
lívido da paisagem. Silêncio só quebrado pelo frevo da meninada tomando banho
sem roupa. Banho de saltados na cabeceira da parede. Fazer das apostas de quem
pula mais bonito. Depois atravessar o açude dum fôlego valente, susto grande de
parar no meio das águas. Cuidado com a fundura do açude só tem caboclo que não
sabe nadar bem. Ou medo das profundezas
do açude, onde lá mora a misteriosa Mãe d’água. Lenda dos pescadores, a bicha metade
mulher e metade peixe arrasta o homem desprevenido pro fundão das águas. Vó
Carmelita não deixava eu entrar no açude nem com água no umbigo. A tal da Mãe
d’água arrastou o irmão de vó quando ele atravessava o açude a nado. Chamava-se
Juvenal. Rapaz alto, bonito e cheio de vida. Morenão de olhos claros que queria
ser soldado. Afundou e só o encontraram dias depois; ele sem vida na beirada de
cascalhos.
Do outro lado, lonjura
medonha, dantes avistava-se o rabo do Rio Trairi alimentando o açude. De suas
margens, areia branquinha que filtrava água de cacimbões. Lugarejo ribeirinho
de casinhas branquinhas de pescadores. Dum carazinho ali, uma traíra dali,
doutro sustento de bichos da mata, já era o necessário pra vida simples do
agreste. Um prato de farinha com piaba torrada em banha de porco dava-se por
satisfeito no dia. Se no muito necessitado ficasse o pescador sertanejo, os
vizinhos logo partilhavam as ajudas. Uma xícara de arroz, comadre. Tome uma
saca toda, depois eu posso precisar mais tu. Remédio era providência do mateiro
das ervas. Tudo que fosse dor, desaparecia; até dor da alma a planta
satisfazia. De todo o jeito, a vida no sertão do Trairi era muito melhor.
Paisagem sossegada e sadia, alegria simples de se ver. Passatempo melhor se
escondia no silêncio do quarto fechado mais a mulher. Qualquer chamego por
detrás do umbuzeiro, também arrumava o do cigarro. Bucho cheio na certa o cabra
conseguia se trabalhasse um pouco. Qualquer pouquinho de comer já servia.
Secura mesmo só no verão macho de anos sem chover, qual da vez. Sabe-se lá
donde o peixe ia. Na lama, dizem que se escondia. Mas na invernada, abarrotado
danado de peixe. Muitos vindos de rio acima, carona de barreiros altos. Do
sertão, sim, lugar bom de viver. E quando caída a noite, uma maledicênciazinha
com as negras. Mato testemunha de muitos casos. Bater uma na presença das moças
tomando banho de rio. Escondidinho no curral, burrego servia de companhia de
macho homem. Fora do que acontecia nas vazantes, a canoa rodeava o açude todo,
só vendo dos causos pra contar à noite.
Tardinha fechando o sol
friozinho no longe das serras. Noite banhando o dia de escuro.
À esquerda do lajeiro
cinzento, ali do outro lado da beira d’água do açude, Zé Preto no aboio triste
de vaqueiro. Na companhia, o musicado balançado de chocalhos tangendo as
novilhas enfadadas pelo terral morno e pedregoso. Aproximando-se do curral, o
olhar fundo do gado muge por uma migalha de esperançoso verde capim. Coloca o
comer último antes da noite comprida. No cocho, apenas, o espinhento xique-xique torrado qual
derradeiro alimento para aquecer os ossos dos animais pela gélida madrugada.
O límpido céu azul sertanejo vai ficando pretinho a
contrastar com o brilho alvejado da estrela de Davi. Bateram seis horas, é hora
do ângelus. Cheiro de cuscuz e carne assada vem lá da casinha chamando o
trabalhador do campo para se lavar e fazer a oração em agradecimento pelo pão
diante da mesa.
Uma voz cavernosa interrompe a
cena: é chamado pelo menino. Hora de ir jantar.
- Mário, oh Mário! Mário! Venha pra dentro de casa.
A janta tá pronta.
- Já tou indo, vô. Já vai.
- Sua vó fez cuscuz com carne assada
pra nós comer.
- E minha barriga nos roncados, vô.
No desejoso por cuscuz.
- Primeiro se lave lá fora, no
banheiro. E chegue pra mesa comer.
E depois, o trabalhador tem o
descanso prazeroso de rede sossegada no alpendre avistado. Na apreciação da
noite sob um véu de estrelas cintilantes. (...)”
Um moído de palavras que descreve o habitar do menino ou homem sertanejo do nosso lugar. Jadson Umbelino.
ResponderExcluirMuito bom! Parabéns Diego!
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