quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

Uma noite na Pedra da Boca. - Maria Stella Dantas



Costumo passar os domingos na casa dos meus pais e me delicio com as histórias que contam sobre sua infância e juventude no Nordeste. Já ouvi várias vezes que quando jovem e vaqueiro, meu pai ia da Paraíba para São José do Campestre no Rio Grande do Norte visitar seu tio também vaqueiro Manoel Pinheiro.  Em sua narração há sempre a descrição do caminho percorrido, uma pedra com o formato de uma mulher e uma outra que tem uma boca, essa localizada em Passa e Fica. Desde que falou sobre essa tal pedra com uma boca fiquei curiosa para conhece-la.



Pesquisei na internet e quando vi as fotos do local fiquei maravilhada e decidi que iria conhecer a Pedra da Boca. Queria unir o útil ao agradável, passar pelos caminhos que meu pai quando jovem e vaqueiro passou e aproveitar para fazer umas trilhas, gosto muito de trilhas! O local é o paraíso da escalada e rapel.  Então consegui o contato do guia mais famoso de lá, Seu Tico , um paraibano de 57 anos, super simpático, cujo quintal é o Parque Estadual da Pedra da Boca. O Parque encontra-se na cidade de Araruna/PB, mas sua entrada está mais próxima de Passa e Fica/RN. Estava hospedada em Natal e me programei para sair no ônibus das 5h15, chegar em Passa e Fica às 8h, ir direto subir a pedra , descer, almoçar, trilhar de novo,  dormir e no dia seguinte fazer a trilha das grutas. Ainda em Natal perguntei ao Seu Tico se ele oferecia hospedagem e ele me disse que me alugaria uma rede. Na minha completa ingenuidade pensei que ele dispunha de um quarto cheio de redes (um redário). Bem, após as trilhas, veio a janta e o cair da noite, e eu me perguntando onde dormiria, até que Seu Tico me sai de sua casa com uma rede azul bem fornida e arma no alpendre de sua casa, local utilizado para colocar as mesas do seu “restaurante”. Ele proseou um pouquinho comigo, falamos de seu mural de fotos e ele se recolheu. Entrou, fechou a porta e fiquei do lado de fora com Xerete, cão de estimação da família, dois sapos enormes, um silencio interrompido pelos grilos, uma negritude cortada pela lâmpada do poste e uma chuvinha fina e constante.  


Indescritível a sensação, não tão positiva, de ter que passar a noite sozinha do lado de fora da casa em uma cidade desconhecida, para uma mulher e ainda por cima carioca, que vive com o alerta ligado mesclada com a deslumbrante experiência de subir a famosa pedra e paisagem lindíssima. Tenho o hábito de dormir lá pelas 23h e tive que me recolher as 19h! A noite foi longa, afinal não tenho o costume de dormir a noite toda numa rede. Aproveitei para contemplar o silêncio, sentir o frescor da noite e refletir sobre minhas andanças pelo interior do Nordeste e o meu pertencimento a essa região. Lembrar de meus antepassados que por muitas e muitas vezes passaram por aquelas terras a pé ou a cavalo e agradecer a oportunidade de ter conhecido um lugar tão lindo e único! Não sei bem explicar, mas  esta noite mexeu comigo, me tornando mais corajosa do que naturalmente sou.  Lamentavelmente devido a chuva não pude fazer a trilha das grutas, e em algum momento voltarei a Pedra, o que farei com muito prazer.


Maria Stella Dantas
Secretaria da Diretoria
Bio-Manguinhos/FIOCRUZ

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Comentários com termos vulgares e palavrões, ofensas, serão excluídos. Não se preocupem com erros de português. Patativa do Assaré disse: "É melhor escrever errado a coisa certa, do que escrever certo a coisa errada”