DivulgaçãoEucanaã Ferraz: Hoje não vejo muito sentido nesses movimentos poéticos, não vivemos mais no tempo onde um grupo ou uma ideia possa se definir como a saída para a literatura ou para a arte. O tempo é outro.
Logo após o desjejum, o público confere performance de Eucanaã, que em 2012 participou do Flipipa e ano passado dividiu mesa com Caetano Veloso durante o Festival Literário de Natal. O poeta carioca preparou a palestra-sarau “A poesia vista pelos olhos da poesia”, com uma seleção de poemas cujo tema é a própria poesia e o papel do poeta. “O que a poesia pensa sobre si mesma”, adiantou o autor do premiado “Sentimental”, livro escolhido como o melhor na categoria Poesia do prêmio Portugal Telecom 2013. Ferraz selecionou textos de Manoel Bandeira, Carlos Drumond de Andrade, Vinicius de Moraes, Cecília Meireles, João Cabral de Melo Neto, Armando Freitas Filho, Ferreira Gullar e Wally Salomão, para uma viagem do Modernismo nos anos 1920 até o desbunde da década de 1970.
A programação matutina na Funcarte ainda inclui homenagem ao poeta/processo Moacy Cirne, intervenções poéticas, debates e lançamento dos prêmios literários Câmara Cascudo (ensaios etnográficos), Othoniel Menezes (poesia) e o novo Moacyr Cirne (ensaios literários). E quando a noite cair, será a vez do pernambucano Silvério Pessoa fazer show no pátio da Capitania às 20h.
Mas as opções não param por aí: está previsto movimento no Beco da Lama à tarde e durante todo o dia a Fundação José Augusto promove uma série de atividades na Pinacoteca do Estado, com debates, recital e shows – confira programação completa na página 4, além, claro, do suplemento de Poesia, organizado por Aluízio Mathias, que sai encartado nesta edição do VIVER. A TRIBUNA DO NORTE conversou por telefone com Eucanaã Ferraz.
A qual poeta/escrita você tem se dedicado como leitor?
Tento me manter o mais atualizado possível, não só por questões profissionais como por interesse pessoal. Recebo muito livros, e estou sempre comprando novos títulos de olho no que está saindo. Acompanho com grande interesse. Também procuro me manter sempre informado pela poesia portuguesa. Sou um apreciador de longa data da poesia portuguesa, que sempre foi muito importante para minha formação como leitor, autor e mesmo como estudioso.
Você falou sobre se manter atualizado. E a internet, onde é que ela entra nessa história?
Tem muita coisa dispersa, as vezes eu vejo alguma coisa que as pessoas me mandam, um link, um blog, mas me cansa. Não tenho Facebook, então me mantenho razoavelmente desatualizado. Prezo por isso. Mas sei que tem coisa boa acontecendo.
Esse assunto internet levanta outra questão: hoje há muitos textos circulando na rede erroneamente creditados a Clarice Lispector, Cecília Meirelles, Drummond...
Há um descuido geral que me desagrada profundamente. Vejo como cretinice alguém atribuir algo à Clarice quando ela sabe que não é da Clarice. Aí vem outra pessoa que não é uma cretina, mas um pouco ingênua, preguiçosa ou simplesmente tem boa com o mundo que acredita naquilo e compartilha, e no final ninguém sabe mais de nada. Como a origem disso tudo é a cretinice, isso só gera tolices e equívocos. Me desperta repúdio e desprezo. Já vi poemas meus publicados em blogs sem respeitar a quebra de versos, as estruturas das estrofes. Em um poema, cada vírgula, cada pausa, cada travessão... tudo tem significado. As pessoas têm que começar a pensar em poesia como se fosse um prédio, que se tirar um pilar ele vai desmoronar todo. Poesia não é uma obra do espírito e deve ser pensada como algo material. Vejo esses compartilhamentos serem feitos de forma irresponsável. Claro que isso não é geral, e que minha resposta pode soar antipática, mas não estou aqui querendo ser simpático. Então essa expansão da poesia na internet não é má: é boa, mas não excelente. Passa a sensação de terra de todos e de ninguém.
É possível saber quem é hoje o leitor de poesia?
Tenho a impressão que eles (os leitores) são o que sempre foram: poucos. Esse fenômeno da internet não é um termômetro para determinar aumento de leitores em número ou em qualidade. As pessoas postam sem ler, em vez de comentar o poema postado, mandam um poema próprio – estão mais preocupadas em ser lidas, não em ler. Os leitores de poesia, dignos desse título, são inexpressivos, nunca serão em número suficiente para mover vendas de editoras. Não entenda isso como desprestígio ou drama, é preciso olhar com realismo. Também não há aí nenhuma culpa da poesia e/ou dos poetas.
Premiações literárias, como o Portugal Telecom que destacou seu livro “Sentimental” em 2013, funcionam como uma bússola para o leitor?
Sim, é uma referência para o leitor, uma referência geral para a instituição literatura que ao longo do tempo vai desenhando suas história: quais os autores foram ou são relevantes naquele determinado período. Os prêmios, claro, norteiam o leitor. Quando autores esperneiam contra esses prêmios, contra a literatura, eles estão entrando para a história como autores que espernearam. Se forem bons autores, vão ser lembrados também por essa característica; se não forem bons autores terão esperneado à toa.
Os autores que você está trazendo para sua palestra aqui em Natal, Manuel Bandeira, Drummond, Vinícius de Moraes, João Cabral de Melo Neto, Ferreira Gullar e Wally Salomão, entraram para a história, são cânones indiscutíveis...
Pretendo fazer uma homenagem à poesia a partir de leitoras de poemas nos quais os poetas pensam nos seus poemas, pensam a escrita e a palavra. Eles já estão homenageando a poesia e, quando ler, estarei homenageando a homenagem. Como um jogo de espelho: no Dia da Poesia vou ler a poesia de autores falando de poesia. Acredito que escolhi grandes autores, que representam muito bem o espectro da poesia. São autores essenciais.
Natal e Rio de Janeiro estiveram conectados no final dos anos 1960 com o movimento do Poema/Processo, inclusive Moacy Cirne será um dos homenageados no evento deste ano. Qual a importância desse e de outros movimentos que subvertem a poesia?
Tanto o Poema/Processo, como a concreta, práxis, marginal foram detentoras da ideia do conceito de vanguarda. Quando não tinham um manifesto defendendo pontos de vista, tinham poemas que funcionaram como tal. Junto com a vontade de subversão, de renovação, há uma certa intolerância, uma certa arrogância. Um espírito mais ou menos belicoso que dá esses movimentos uma das características mais interessantes que é a violência. Hoje não vejo muito sentido nesses movimentos, não vivemos mais no tempo onde um grupo ou uma ideia possa se definir como a saída para a literatura ou para a arte. O tempo é outro.
Hoje vale tudo ou sempre valeu?
Não diria “valer tudo”, fica um pouco a impressão de que não há critérios. Há sempre critérios! Sempre o julgamento está sendo feito mesmo que esperneiem contra isso. Não sou a fazer da suspensão de todo e qualquer critério ou de juízo de valor. Vejo uma maior convivência, de formas, soluções, saídas. Tivemos uma tradição poética da qual os poetas contemporâneos fazem parte, que traz a responsabilidade aos autores de renovar, de atualizar. É isso que fortalece a instituição literatura. Temos uma poesia forte no Brasil, com uma história longa, e é importante que os autores sejam constantemente lembrados, atualizados, repensados.
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